Prólogo

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" - Alô? - Falei ao celular para uma ligação com um número desconhecido.

     Meus olhos estavam inchados, meu estômago revirava, dando sinal de vida e fome. Ouvi alguém fungando do outro lado da linha, era como se eu pudesse ver lágrimas descendo pelo rosto daquela pessoa. Lembrei das conversas sussurradas, do som alto que tocava uma música, do odor da fumaça dos cigarros dos fumantes que haviam ali, do álcool descendo pela minha garganta, do homem que quis me agarrar, do homem que eu quis e fiquei. Lembrava-me bem dos beijos no banheiro onde ocorria a festa, das mãos daquele homem correndo pelo corpo, procurando livrar-me das roupas que eu vestia, de como a química entre nós aumentava, de como eu acabei sendo levada para a casa de um estranho que eu sequer sabia o nome, do seu corpo nu sobre o meu, do calor, do suor naquela noite quente, de como fugi da sua casa após vê-lo cair no sono e de como cheguei tonta em casa, cambaleante, trôpega, e aos tropessões consegui me jogar na cama e enfim, descançar depois de tomar tanto álcool e transar com um desconhecido que eu não queria ver novamente na minha vida. Depois de relembrar da noite passada e de como eu estava exausta, lembrei que o celular ainda estava colado ao meu ouvido.

     - Alô? - Como a resposta não vinha, comecei a ficar zangada por ter sido acordada tão cedo em pleno domingo. - Escuta aqui, vai...

    Uma voz rouca, um grito louco me fez calar a boca e ouvir atentamente. O choro da pessoa aumentava, meu coração se apertava à medida que o choro se tornava mais intenso. Eu não sabia mais o que fazer além de esperar por palavras.

     - Ele morreu, Skyla! Ele morreu! - Neste momento, meu corpo ficou frio, aquela voz pertencia à minha mãe que há tanto tempo eu não ouvia.

     - Do que você está falando?! Quem morreu?! - Meu estômago virava um buraco negro e o nervosismo fazia meu corpo tremer.

     - Mattew, o meu filho! Ele morreu! Oh, Deus! Meu Mattew está morto! - Perdi o chão naquele instante. Eu nunca havia ouvido ela falar daquela forma, nunca... E eu quis muito gritar com ela, colocar a culpa nela, dizer que ela nunca foi mãe, que estava mentindo para perturbar a minha vida. Mas... O vazio que se fez em mim, foi mais do que suficiente para que eu soubesse que era verdade. As palavras se negavam a cruzar meus dentes. A culpa me dilacerava.

    - Ele... Se envolveu com drogas... Ele está morto... Ele deu uma overdose...

    Não ouvi mais nada. Minha força não foi suficiente para segurar o celular no ouvido, de forma que o aparelho escorregou pela minha mão, atingindo o chão, se desmanchando em pedaços. As lágrimas desciam pelo meu rosto sem parar. Meu irmão estava morto... E a culpa, era toda minha."


     Dia 13 de março, eu vestia preto. Não era apenas eu, mas um monte de pessoas que eu sequer conhecia que vestia preto. Alguns eram amigos do meu irmão. Meu irmão... Ele se foi... Mattew... Eu via a todos ali, mas a verdade, é que ninguém realmente se importava, ninguém realmente sentiria falta dele. Hipócritas!

      E eu podia acusá-los, eu tinha direito. Eu assistia à cena de uma mãe que chorava inconsolavelmente, uma mãe que nem foi mãe de verdade. Alguns se comoviam com a cena, menos eu.

      Porém, entre tantas pessoas, escondido, de forma que eu não pudesse ver bem seu rosto, havia um homem. A pessoa que o encobria saiu e eu pude ver seu rosto, ou pelo menos, achei que podia. Ele havia desaparecido e a única coisa que vi foram seus olhos, verdes, tão claros. Estou ficando louca? Não há ninguém ali.

      Depois de horas no enterro do meu irmão, fugi quando quiseram me passar a palavra. Eu não ia falar nada, sairia quieta e silenciosa, bem como cheguei.

      Andando pelas ruas, nem tinha noção das horas ou do que fazia vagueando por ali. Por que fez isso comigo, Mattew? A dor da culpa me corria como câncer.

      Havia um bar naquela rua. Não posso evitar... Entrei no bar e comecei a comprar bebidas aleatórias, experimentando de tudo um pouco. Até ficar tonta demais e sair dali com passos trôpegos. Não havia lugar para ir, nem motivo para continuar viva.

       - Resolverei isso rapidamente. - Uma voz grave soou.

      Um homem pálido como um morto, alto como um gigante e bonito como um deus. Como um vulto, ele estava inalando meu cheiro. Senti uma dor, algo me machucava, feria meu pescoço. Ele estava me mordendo, minha cabeça girava incontrolamente. Será que é assim que vou morrer? Jogada numa rua qualquer, sem rumo, sem propósito, com ódio de mim mesma? É uma boa morte, eu mereço.

     Mas, antes que meus olhos se fechassem, ele apareceu, o homem mais lindo que eu já havia visto, como um anjo. E ele me salvou do cara mau, ele me deixou fugir.

.........

     Na manhã seguinte, acordei na minha cama, na minha casa e o dia passado, não passava de uma página em branco.

   

A PassageiraWhere stories live. Discover now