Aonde for

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    Ninguém havia se dado conta do meu sumiço, o que devia ser bom, pois eu poderia cumprir minha promessa de salvar minha família. Minha família... Eu quis muito rir de mim mesma, se eu não estivesse com todo meu corpo ardendo eu riria, de fato. As sombras reinavam ali, eu podia sentir a floresta girar ao redor de nós, como numa cena de filme. Eu estava em perigo, estava com Miguel. E eu sabia, ele me mataria, mesmo não querendo. Essa era sua maldição e ninguém poderia quebrar. Ele inspirou profundamente, sentindo meu cheiro.

      - Está perdendo sua imunidade, humana. - Ele sussurrou, me fazendo tremer não apenas de frio, mas de medo, muito medo.

     - Você ainda está aí, Miguel? - Perguntei, cheia de esperança.

     Senti minha pergunta ecoar pela sua mente, deixando-o perturbado, fazendo-o questionar-se a si mesmo. Eu podia ver seu embaraço em se encontrar, em fazer o certo e obedecer ao pai. Mas, por fim, o controle de Kaden sobre ele era imenso, de forma que sua fúria aumentou e ele me deu um tapa. Sangue escorreu pela minha boca, eu estava de joelhos no chão, tentando enxergar Miguel em algum lugar dentro de si mesmo. Por mais que eu quisesse vê-lo morto, eu sabia que já havia fracassado em proteger meu irmão, que o havia abandonado, não era justo abandonar Miguel também, mesmo que todos já tivessem desistido dele. Ele podia ser um monstro, mas havia bondade em seu coração. Nossa, Skyla! Essa nem parece você falando! Onde você ficou nessa história? Em que momento você sumiu, exatamente?

      - Pode me matar, Miguel. Eu fiz uma promessa e vou cumpri-la. Até o fim.

     Ele sorriu, maliciosamente. Seu abraço feroz me envolveu, apertando meus braços de forma dolorosa, que me machucava. Suas presas cravaram em minha pele, liberando seu veneno, queimando, ardendo, eu podia sentir brasas dentro de mim. Doía, ardia, queimava, me enlouquecia. Meus gritos eram abafados pela muralha que seu peitoral era. Rígido como uma pedra, com suas veias enegrecendo, seus olhos escurecendo, ele continuou sem me soltar.

      Dizem que quando você está perto da morte, você vê a sua vida passando como um flashback na sua cabeça, que você revive cada momento em meros segundos, que seu cérebro te adormece aos poucos, até você ser domado pela escuridão, envolvido pelo frio da morte. Essas pessoas que diziam isso estavam enganadas. A morte não acontece em câmera lenta, você não tem flashback resumido da sua vida, você vê o fogo, pois a morte não é fria, ela é enlouquecedora. Ela te faz sentir as piores dores possíveis. Morrer, afinal, é para os fortes também.

     Porém, sinto o abraço de Miguel se afrouxar, vejo que ele também está fraco, mas principalmente, vejo algo reluzir em seu peito e vejo a muralha ceder, caindo lentamente no chão, com sangue negro jorrando. As imagens à minha frente estão borradas. Vejo algo vermelho, minha cabeça lateja, sinto que a qualquer momento vou explodir. Comecei a ficar tonta, a cambalear, meus pulmões se retraem, meu ar começa a faltar, me firmo em algumas árvores, ou pelo menos, pareciam árvores. Tropeçante, tentei caminhar para me afastar dali. Tudo estava confuso, havia um zumbido surdo no meu ouvido, enquanto eu lutava por ar. Comecei a tossir, sentindo minha garganta se rasgar e arder. Quando voltei a ouvir o que se passava naquele lugar, vejo claramente sague negro no chão. Passei a mão pela boca, encarando minha palma ensanguentada.

      Dentro de poucos segundos, lembrei do que estava acontecendo. Avistei ao longe Aestória apontando sua espada para Miguel que lhe olhava suplicante, sem forças para atacar. Corri, sem me importar se havia vomitado sangue de novo, se ele havia tentado me matar de novo, se tudo aquilo começou por causa dele... Nada disso me importava. Mas, antes que eu pudesse chegar lá, sem sequer se aproximar dela, Kaden ergueu Aestória no ar, a fazendo sentir dor e contorcer-se, fazendo-a gritar de dor. Eu queria ajudá-la, queria muito poder fazer algo para impedir que ele a matasse diante dos meus olhos. Corri sem parar, sem saber o que faria ou como faria, mas tentaria qualquer coisa para livrar Aestória dessa. Empurrei Kaden e para minha surpresa, ele parou muito longe, voando metros à distância. Arregalei os olhos e olhei para as minhas mãos. Eu havia usado de uma força descomunal para mim, uma humana. O que está acontecendo comigo? Meu coração ainda bate, ainda sou humana. De onde veio essa força?!

A PassageiraWhere stories live. Discover now