A caçadora

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04h0 da madrugada
Apartamento em Semytiville
28 de março

       Ainda estava escuro e a neve cobria o chão. Meus olhos estavam inchados, haviam olheiras profundas. Me encarei no espelho, meu rosto tão feio, minha pele pálida, meu cabelo rebelde. Eu estava com raiva de mim mesma, então disparei um soco no espelho, quebrando-o. Sangue escorreu pela minha mão, sujando a pia. Gritei sozinha, me encolhendo naquele banheiro. Me escondi na água quente daquela manhã de inverno, enquanto me culpava mais uma vez pelo que fiz. Eu só faço merda, mesmo!
        Saí do banheiro deixando os cacos para trás, me vesti, sem ligar para o cabelo. Calcei meus tênis e comi um sereal que encontrei em casa. Bati a porta, peguei o elevador e passei direto pela recepção, porém o segurança interveio, chamando minha atenção.
        - Bom dia, sr.ta Grier. - Saldou profissionalmente, revirei os olhos, meu dia estava péssimo. - Está tudo bem?
        Passei a mão pelo rosto, querendo muito dar-lhe uma resposta nada gentil. Estava exausta e com pressa.
        - Claro! Está tudo ótimo! - Respondi sarcasticamente.
        O homem franziu o cenho, sério e aparentemente preocupado.
         - Tem certeza, sr.ta Grier? Ouvi um barulho no seu apartamento, outro esta manhã... - Ele reparou minha mão enfaixada, que escondi atrás de mim. - Pode me explicar? Devo me preocupar com a segurança deste prédio?
        - Não, já disse que está tudo bem, não aconteceu nada. Minha estante caiu ontem, estava velha. - Menti.
        O homem não pareceu acreditar muito no que eu dizia, sou eternamente uma péssima mentirosa. Me remexi, inquieta.
        - Hum... E a sua mão? - Perguntou.
        - Me cortei. - Desta vez ele pareceu mais convencido. Aproveitei para ir andando.
        - Sr.ta Grier - ele chamou, fazendo-me virar para vê-lo - tome cuidado, estas ruas andam perigosas ultimamente.
         - Não tenho medo. - Afirmei, voltando ao meu trajeto inicial.
         Sem demora, entrei no ônibus vazio, com apenas 8 pessoas além de mim. Ele não estava lá. Me encolhi por dentro, me sentando na primeira cadeira desocupada que avistei. A neve caia tão despreocupada sobre o chão... Fria, cautelosa, delicada, se misturando aos outros flocos sobre o chão. A viagem demorou por conta disso, mas não reclamei, foi bom assim. Tive tempo para repassar minhas próprias palavras cruéis daquela noite, que não era tão distante, afinal. Porém, eu não podia esperar que não conseguisse chegar no trabalho. O ônibus parou, de repente. As luzes se apagaram, o céu se escurecia ainda mais. As pessoas estavam assustadas, perguntando ao motorista o que havia acontecido, mas nem ele sabia explicar-lhes. O ônibus balançou para os lados, as ruas estavam vazias. Ouvi aquele som, que eu bem conhecia e gelei por dentro. Barulho de morcegos, uma nuvem gigante. Uma mulher tapou os ouvidos, uma outra gritou, um senhor estremeceu de frio. Eu sabia o que viria e tinha que tentar sair rápido.
       - Motorista, abra a porta! - Gritou um garoto.
       - Não consigo! Nada funciona! - Falou o motorista, abismado.
       - Temos que sair daqui! - Eu disse, disparando chutes na porta. O garoto veio até mim, me ajudando.
        - Seus idiotas, vamos usar as travas de emergência! - Um homem disse, com sua maleta na mão.
       - Você ouviu o motorista?! - Gritou o garoto. - Absolutamente nada aqui está funcionando!
        Parei com os chutes, era inútil. Então, tive uma idéia. Caminhei decida até o homem e peguei sua maleta e comecei a batê-la no vidro da janela.
        - O que está fazendo, garota?! - Resmungou aquele sugeito irritante.
         - Você além de estúpido é cego?! - Vociferei para ele, fazendo-o ficar com raiva de mim.
         - Esses vidros são reforçados, mas acho que você já sabia disso, afinal você sabe de tudo! - Ele berrou.
         Parei o que estava fazendo e me aproximei dele, o olhando furiosa.
         - Você sabe o que está vindo aí? Ao contrário de você, eu sei. Não sou a "sabe tudo", mas sei o suficiente para tentar fugir custe o que custar! - Falei, cutucando o peito gorduroso dele.
         O ônibus estremeceu, nos derrubando no chão. As janelas começaram a se quebrar e as portas a contorcerem-se. Senti medo. Eu iria morrer ali, não tinha como fugir. Então, Miguel entrou, com seus olhos azuis a brilhar à minha procura. Me levantei e tentei correr, mas ele chegou perto de mim num vulto, impedindo-me de prosseguir. Chegou ao meu ouvido sussurrando.
        - Eu reconheceria seu veneno em qualquer lugar! - Ele sorriu, um sorriso demoníaco. Mas, logo seus olhos se tornaram escuros bem como suas veias. Isso sempre acontecia com ele quando se aproximava de mim. Ele caiu no chão, se firmando nos próprios braços. Ouvi seu grito rouco ecoar, invadindo meus pensamentos. Aproveitei para cruzar a porta velozmente, sem saber para onde ir, mas correndo. Quando, o vampiro grisalho apareceu na minha frente.
       - Kaden! - Falei assustada.
       Ele me analisou com seus olhos azuis e fitou o chão. Olhei que atrás dele havia uma multidão de olhos azuis, de vampiros submissos cheios de ódio.
       - Senti sua falta, senhorita Grier... Você saiu sem se despedir... - Ele falou calmamente.
        Senti Miguel atrás de mim, sua presença me amedrontava como todo o resto. Ergui os olhos para todos aqueles vampiros e não o achei. Cadriel não estava ali, ou pelo menos, eu não o havia visto. Porém, pude reconhecer alguém, uma vampira albina que um vampiro loiro ameaçava sorridente, com uma faca de prata em mãos. Vampiros idiotas! Lil, me perdoe por isso...
          - Como pode ver, srta. Grier, Lil está ansiosa para cuidar de você! - Ai, não! Ele descobriu! Mas, como?! Quem contou?!
         Me enfureci com aquilo, ela não tinha nada haver com isso. Kaden seu demônio asqueroso!!! Quis gritar com ele e bater nele. Dei um soco no rosto pálido dele, me arrependendo depois, pois seu rosto era duro como pedra. Ele sorriu da minha idiotice.
       - Admiro sua coragem, srta. Grier. - Ele parecia contente e cruel ao mesmo tempo.
       Miguel prendeu meus braços com suas mãos fortes. Me contorsi, revoltada, querendo muito ser forte como eles para poder lhe dar o troco por sua crueldade com Lil. Quando, uma névoa densa se fez, e uma mulher ruiva apareceu. Reconheci seus olhos de gato, vermelhos como rubis preciosos. Mas, o que aconteceu depois não fui capaz de registrar com clareza. Tudo acontecia muito rápido, ela sumia e aparecia, lutando contra eles, porém tendo um alvo em principal. Para poder lutar contra ela, Miguel me arremessou para longe como se eu fosse um brinquedo, uma bonequinha em suas mãos. Bati com força minha cabeça contra o ônibus e apaguei.
        Quando acordei, não reconheci o lugar em que estava, pois era escuro. Alguém se aproximou, aquela mulher ruiva.
         - Como você está, Skyla? - Ela sabia meu nome, embora eu não soubesse o seu. - Não é a primeira vez que nos vemos, mas acho que não se lembra mais de mim. - Tentei me levantar devagar enquanto ela falava. - Meu nome é Aestoria e salvei sua vida mais uma vez deles.
       Minha cabeça doía, latejava. Meu corpo parecia ter sido esmagado impiedosamente, mas lembrei que fui jogada contra um ônibus.
       - Você os conhece? Onde eu estou? - Perguntei.
       - Conheço cada um deles. Sou uma caçadora de vampiros, é o meu dever matá-los. E você está no meu esconderijo. - Ela disse, séria.
        Olhei ao redor.
        - Por quê me salvou?
        - Simples. Eu quero matar Miguel à 150 anos e ele quer você, bem como Kaden. Você é um perigo para eles, Skyla. Eles vão lutar para destruir você. - Ela falou.
       - Vai direto ao ponto, o que quer de mim?! Porque todos os que se aproximam de mim querem algo. Kaden e Miguel querem me ver morta e você, o que quer?! - Falei, grossa. Estava cansada de ser a desinformada.
        Ela me encarou, surpresa com minha audácia.
         - Quero que seja minha presa.
       

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