Ele sumiu

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4h0 da manhã
Apartamento em Semytiville
19 de março

    Nenhum pesadelo, nenhum sinal de gotas de suor descendo pela minha testa, silêncio profundo e absoluto. Estou sozinha.

- Mathew... Eu só... Queria dizer que... Também não vou te esquecer... Aconteça o que acontecer, você sempre estará nas minhas memórias... - Digo, para a caixa postal.
Desligo, não havia mais nada para dizer. Não haviam desculpas que valecem o preço de uma companhia. Minutos depois, ele liga de novo, reluto em atender, mas quero ouvir sua voz.
- Skie - Ele chama. - Skie? - Ele repete. - Eu sei que está aí, sua boba. - Ele ri, mas sua voz demonstra o contrário. - Para com isso. Você não me deve explicações, você é minha irmã, isso basta pra mim. Não quero nada além disso. - Ele sorri, na minha mente, posso vê-lo balançar a cabeça. E eu desligo.
Por que estou insistindo nisso? Eu queria morrer agora. Acho que solucionaria todos os meus problemas.

     Abro os olhos, uma lágrima quente cai, molhando o chão, sinto que posso ouvir o barulho dela. Me abraço, tentando expulsar a culpa que eu sentia por tudo o que fiz e pelas coisas que negligenciei. Me encolhi na cama, que havia se tornado tão grande para mim.
       Eu era conciênte do que meu irmão havia se tornado, era conciente das loucuras que ele havia feito e eu não ligava pra nada disso. Ele era tudo o que eu tinha, minha única família de verdade. Ele nunca soube dizer o que sente, talvez por isso tenha feito tudo o que fez... Ele viveu, se divertiu, era assim que eu queria me lembrar do seu rosto, com um lindo sorriso alegre, aquele idiota, babaca!
       Me forcei a ficar de pé e ir tomar um banho. Eu não quis comer, só queria que o tempo passasse de uma vez.
       Lembrei da vez em que assisti um filme que começa com um enterro, na época, me perguntei por que nos filmes sempre chovia em enterros... Hoje eu compreendo, parece errado que o sol brilhe, quando tudo o que temos é dor e saudades. Parece errado que os pássaros cantem, que o vento sopre, que a vida continue para tantos, parece errado prosseguir, parece errado continuar vivo.
       Naquela manhã, o sol brilhou forte, derretendo toda neve de Semytiville. Senti raiva do sol quando o vi no céu.
       Peguei meu ônibus, mas não vi o estranho da noite passada, o estranho que devia estar ali, sentado na mesma cadeira, com seu olhar penetrante. Ele não estava.
        No momento, eu quis voltar para casa. Era melhor morrer em casa, do que viver vazia e solitária. Mas, por mais que cada célula me pedisse socorro, eu segui para o meu lugar.
         A vida as vezes parece tão injusta... As vezes ela se cansa de nós, ela para de colocar pessoas para nós, ela decide nos dar um fim. A minha vida, só estava dando um tempo de mim, por que sou muito chata, sem vida e sem ânimo.
         Depois do trabalho, fui a um bar. Minha vontade era beber bastante, me embriagar. Eu queria fazer uma besteira. Mas, tudo que fiz foi chegar até a porta e olhar a todos lá dentro. Todos iguais, numa felicidade tão passageira. Tudo passa na vida, inclusive as pessoas. A maioria das pessoas só passam mesmo, nenhuma delas quer ficar. E como uma passageira, eu passei por lá, passei pelo ônibus, passei pela rua, passei pela recepção, mas não prossegui devido a uma voz que me chamou a atenção.
       - Skyla - a garota me chamou. Bonita e jovem, ela veio até mim, um tanto mais baixa que eu.
       - Quem é você? - Perguntei, franzindo o cenho. Eu não lembrava dela.
       - Jade, amiga do... Bom, do seu irmão. - Ela respondeu.
       Como ela me encontrou? Eu a olhei por diversos ângulos. Estava muito desconfiada. Embora eu quisesse ficar sozinha, decidi que uma companhia seria bom.
        - Seja lá o que você quer, vamos resolver lá em cima. - Falei, curta e grossa.
        Ela inclinou a cabeça, mas me seguiu pelo elevador até o meu apartamento. Dei espaço para que ela entrasse e fechei a porta, encarando aquela desconhecida.
        - Jade, não é? - Perguntei para ter certeza.
        - Sim... - Eu a interrompi.
        - Como me encontrou? - Falei de uma vez.
        - Encontrei um bilhete, Semytiville é uma cidade pequena, com poucos apartamentos em aluguel, demorei umas horas para encontrar o seu mas... - Eu a interrompi de novo.
         - O que você quer? Por que veio atrás de mim?
         Ela tateou os bolsos, puxando um aparelho celular que eu conhecia bem.
         - Você esqueceu seu celular... - Ela estendeu o aparelho para mim.
         Eu o peguei, arremessando-o no lixo, estava cansada de memórias do Mathew. A garota arregalou os olhos, como se estivesse surpresa e ofendida.
          - O que fez você pensar que eu havia esquecido? Eu não quero mais ele! Não quero nada que me lembre o meu irmão... - Dei as costas para ela, não queria que ela visse minha verdadeira face naquele momento.
        - Você não precisa ficar aqui sozinha. Eu era amiga do Mathew, posso ser sua amiga também. - Ela falou, tentando se aproximar de mim.
         Me virei erguendo uma mão no ar, para que ela parasse, o que ela fez. Jade parecia assustada, inquieta.
         - Escuta bem, eu não preciso de amigos! Mathew está morto, essa é a realidade! Se você pode trazê-lo de volta, traga, mas se não pode, vá embora! - Eu disse, me arrependendo das palavras duras que nem eu sabia que seria capaz de falar.
       O que eu me tornei? Ela não tem culpa. Ninguém além de mim tem. Respirei fundo, estava exausta. Exausta de me irritar com tudo, algo que nem eu conseguia compreender. Estava cansada de tanta mágoa, de tantas lembraças que insistiam em perdurar.
       - Me desculpa, eu não queria incomodar! - Jade fala, com raiva e com razão.
       Ela pisa forte até a porta, mas eu a alcanço antes que ela a destranque.
       - Eu peço desculpas, fui muito grossa. Você não tem culpa de nada... - Digo, mais para mim do que para ela.
       - Eu só quero que tudo fique bem, mas Bruce já está me esperando. Tenho que voltar para casa, eu fui longe demais. Foi... Um prazer conhecer você... De novo... - Ela diz, saindo logo após.
         Eu não senti nada, nem raiva, nem felicidade, nem rancor, abdolutamente nada. Repousei minha cabeça na porta já fechada. Parece que eu consigo afastar todos de mim... Quando foi que eu passei a ser assim? Eu era diferente... Divertida, legal, brincalhona, zangada (como ninguém), enfim... Tudo isso se passou, eu acabei mudando demais, em plenos 23.
        Me joguei na cama, não havia nada a se fazer. Não havia comido durante o dia todo, meu corpo tremia e a noite estava quente, diferente de todos os outros anos, como nunca esteve. Ignorei os roncos altos e loucos do meu estômago. Eu tinha problemas demais, e estava gerando mais um com meu estômago vazio e rebelde.
        - Para onde você foi? - Perguntei para o vazio, pois era somente aquilo que eu tinha. A pergunta ecoou pelo quarto, pela minha cabeça e se aquietou no meu inconciente.

Não havia espaço, não havia vida. Não havia morte, não havia nada. Pessoas caminhavam sem destino, todas pareciam ocupadas demais no seu trajeto para algum lugar. Um homem se destacou na multidão, alto, forte, brozeado, olhos verdes, os mais lindos que já vi, o rosto másculo e esculpido, as roupas escuras, seu olhar não encontrou o meu, mas eu queria tanto que encontrasse... Queria que ele me visse, queria senti-lo próximo a mim... Era como se já nos conhecêssimos há muito tempo, como se eu soubesse exatamente quem ele era e o que significava para mim, de repente, a escuridão, a negritude me invade e já não posso ver além dos olhos.

     

A PassageiraWhere stories live. Discover now