Delírio excruciante

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    Como eu queria poder acordar e não perceber que estou afundando novamente... Como eu queria acordar, olhar ao meu redor e não ver que tudo o que eu tenho se resume ao esquecimento... Queria mesmo poder acordar desse desespero sem fim que é notar que estou cada vez mais fria, mais morta, mais vazia, distante e solitária... Como eu queria abrir os olhos e não ver que todos que já amei me deixaram aqui... Nem sequer me levaram junto...
       O vazio, nunca é igual, ele sempre vem diferente, mais profundo ou raso, perturbador e barulhento ou calmo e silencioso... Quero acordar e olhar este mundo diferente, mas não há apenas um mundo, não é mesmo? Eu cresci, fadada à uma vida tão igual... Tão cheia de pessoas iguais... Acho engraçado que as pessoas digam que o apocalipse está chegando, pois ele acontece todos os dias, as decepções nos destroem, os erros nos destroçam, as mágoas nos fragmentam... O verdadeiro apocalipse sempre esteve dentro de nós, o mundo exterior é apenas uma distração... Eu quero o real, o pleno, o absoluto, o inestimável, o invisível aos olhos.
          Estou cansada das mentiras proferidas e das verdades forjadas. Alguém me ergueu no ar, senti meu corpo sendo amparado, suspendido.
       O que é real? Eu estava mole, fraca, suada, cansada... Completamente exausta. Ser carregada foi bom, apesar de eu não saber quem me carregava. Tentei abrir os olhos, mas estavam pesados demais. Apenas me deixei dormir...
        O mundo ainda pode brotar, mesmo que sejam espinhos. As pessoas ainda podem ser legais, mesmo que isso canse. Viver pode valer a pena, mesmo que seja doloroso. Dormir pode ser bom, mesmo que seja para sempre.
      A escuridão e o eterno, qual a diferença? Vagar pelas ruas ou caminhar nas nuvens? Que diferença faz? Ser ou não ser? Ir ou ficar? Correr ou parar?
       Tudo misturado, numa dose embriagante de tormenta. Minha mente ia e vinha, tão tonta e perdida quanto eu.
         Abri os olhos, algo fazia um barulho chato que me tirava o sossego. O celular anunciando o meio-dia. Eu já não sabia mais de nada, que data era, qual era meu nome, onde estava, o que fazia ali, como parei ali...
       Apenas me levantei aos poucos, cada centímetro em mim doía, apesar de não haver nenhum ferimento. A única coisa de que estava lembrando era de descer os túneis com a ajuda da Lil, de cair e ser amparada, de um rosto ensanguentado, de uma voz que dizia: "Por que me machuca tanto, quando o que eu mais queria era ficar perto de você?".
       Era torturante não lembrar do que aconteceu depois que escapei do palácio assombrado do Kaden. Eu não pretendia voltar lá para lembrar, preferia ficar em casa e viva.
         300 ligações de um mesmo número no celular que eu lembrava de ter jogado fora. Estou ficando louca! Haviam 147 mensagens, que eu não me importei em ver, eram exatas 9h35. Desci da cama, ainda vestia o vestido de seda, que por acaso, era minha única certeza de que tudo o que eu lembrava de ter acontecido era real. Ri de mim mesma, pois apesar de ter passado por tudo aquilo e saído viva (mesmo que eu não lembre como), eu persistia em desacreditar naquele mundo tão surreal.
        Tomei um banho quente, me livrando daquele vestido e de todo resto. Passei a mão pelo pescoço me lembrando da cicatriz que havia ali, da mordida de Miguel. Algo em mim já se despertava, sentia algo... Diferente por ele. Miguel ainda me assustava, mas não tanto quanto Cadriel, apesar de que meu coração acelerasse toda vez que eu o via. Eu sentia falta de algo naquele momento, daquele gosto ardoso na boca, do meu peito aquecido, do arrepio na espinha, coisas que apenas um deles me permitia sentir. E eu não sabia mais qual deles. Miguel era assustador, porém encantador e compreensivo. Cadriel era diferente, duro, rígido, áspero, fechado e grosso, contudo, sempre me salvava, por algum motivo que eu queria muito saber. Me entristecia a forma rígida que ele me tratava, ao mesmo tempo que me irritava, tudo isso acabava por me atrair. A sensação de perigo, de vida ou morte, me atraia de certa forma. Desliguei o chuveiro, me enrolando na toalha. Avistei o celular, lembrando do meu trabalho. Liguei para meu chefe, lhe explicando o motivo para eu não estar indo trabalhar. Inventei uma história descabida de uma doença, que fiquei muito ruim, mas que já estava melhor. Depois de brigar comigo por quase meia-hora (tempo que eu joguei o celular em cima da cama enquanto eu vestia um short), ele mandou-me ir amanhã sem falta. Desliguei o celular, enquanto procurava uma blusona pra vestir, pois estava com frio. Meu cabelo pingava, molhando o chão. Abri a geladeira e foquei no meu último pote de sorvete. Eu estava morrendo de fome, meu estômago estava prestes a falar. Peguei o pote e me sentei no sofá, sem parar de comer. Liguei a TV, após alcançar o controle remoto. Estava passando um filme, romance, pude perceber. Ai, fala sério! Quem nunca assistiu Crepúsculo? Me afundei no sofá para assistir pela milionésima vez A Saga Crepúsculo-Lua Nova. Era engraçado, minha vida estava praticamente baseada naquilo, mas os vampiros não tinham olhos vermelhos, nem brilhavam na luz do sol. O mundo sempre consciência da existência deles, fantasiando até como realmente são, mas sempre mantendo a verdade escondida sob os lençóis. Desliguei a TV, não fazia sentido continuar vendo aquilo, eu também estava abandonada, só que de verdade. Eu também estava sendo ameaçada por vampiros que eu nem conhecia direito, mas não tinha alguém para me proteger. Cadriel me salvou algumas vezes, mas ele não era exatamente um cavalheiro, tampouco um cara que estivesse preparado para se sacrificar por mim. E isso doía um pouco, me incomodando bem mais. Ouvi alguém bater na porta. Juntei as sobrancelhas, desconfiada. Abri a porta, me perguntando quem seria. Havia um pálido, de olhos castanho-escuro, vestido de preto, ele parecia controlado, calmo e gentil naquele momento. Miguel estava um tanto apreensivo ao ostentar um olhar preocupado e aliviado ao mesmo tempo. Fiquei surpresa por vê-lo ali, sem todo aquele ódio, aquele instinto e comportamento ameaçador. Pude ver seu lado bom.
      - Posso entrar? - Ele perguntou, notando que eu ainda não conseguia falar nada. Assenti.
       Ele entrou, observando atenciosamente cada mínino detalhe do meu apartamento, que se comparado ao palácio em que ele morava, era um cubículo. Fechei a porta usando o quadril.
         - O que faz aqui? - Perguntei, curiosa e atordoada pela visita. - Veio me arrastar para o seu "palácio das trevas" de novo?!
          Ele sorriu, um sorriso lindo e familiar, me fazendo lembrar de um outro alguém, logo senti aquele aperto, o frio congelante.
          - Não, não! - Ele disse, entre risos. - Vim dar meus parabéns por ter conseguido escapar! Sempre soube que você era esperta...
          Estreitei os olhos, não conseguia acreditar em uma só palavra do que ele dizia. Cruzei os braços, não estava muito afim de rir ou puxar brincadeiras. E afinal, nem sabia como exatamente tinha escapado do tal palácio do Kaden.
         - Não é por isso que está aqui, eu não sou burra! - Engrossei a voz.
         - Kaden, meu pai... Está furioso! Ele quer você e é capaz de qualquer coisa para eliminar o perigo... - Ele disse sério.
          Me arrepiei em pensar no que Kaden poderia fazer comigo. Miguel caminhou até a janela, olhando lá fora, algo distante que eu queria muito saber o que era. Senti meus pelos eriçarem-se, meu coração pular, meu corpo estremecer, quando ele veio numa velocidade sobrenatural e me agarrou para que eu ficasse colada ao seu corpo. Senti medo, pois em seus olhos, vi o azul reluzente, seu rosto se deformava com as veias negras que surgiam.
        - Você me lembra tanto ela, seus lábios rosados, a pele alva... Se ao menos eu pudesse resistir por mais tempo... Você me faz delirar... Como nem mesmo Francielle foi capaz! - Ele se aprofundava cada vez mais, me trazendo para perto de si, inalando meu cheiro, suas mãos firmes na minha cintura. Eu sentia medo. Medo e repulsa. O empurrei, tentando fazê-lo se afastar, mas ele não me sedia espaço. Comecei a gritar, apavorada. Ele estava me apertando muito, estava me machucando. Eu sentia coml se meus ossos estivessem prestes a quebrar, me sentia vulnerável e fraca.
        - Eu quero você! - Ele sussurrou em meu ouvido, para meu horror.
         - CADRIEl!!! CADRIEL!!! - Gritei seu nome, pois eu sentia que ele era o único que poderia me salvar do irmão agora descontrolado. Eu nem sabia se aquela decisão era inteligente, mas estava com medo.
         Cadriel, por favor, apareça!

A PassageiraDär berättelser lever. Upptäck nu