Imensurável

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23h57 da noite
Apartamento em Semytiville
27 de março

      Miguel estava incontrolável, eu estava com medo, assustada, enfrentando aquele homem tão grande e seu desejo por sangue. Quando a porta foi posta ao chão e centenas de morcegos se metamorfosearam em Cadriel. Assim que o vi, com súplica, lhe pedi que me salvasse apenas mais uma vez. Ele se aproximou numa velocidade sobre-humana, golpeando o irmão com muita força, fazendo-o bater na parede, afundando-se como se fosse um mero travesseiro de penas. Os olhos de Miguel brilharam de ódio, ele saiu da parede, dando um soco no irmão, que se desviou facilmente e o derrubou no chão, recebendo um chute que o fez andar para atrás. Miguel se levantou, indo de encontro com Cadriel que lhe acertou um outro soco. Desta vez, pude ver sua pele rígida, levemente rachada se fechar no instante.
       - Você nunca aprende. - Falou Cadriel.
       Os dois se transformaram em morcegos, quebrando as coisas pelo caminho, causando um barulho imenso. Um atrás do outro, um irmão querendo matar o outro, perseguindo-se incontrolavelmente. Até que um parou de frente para o outro, na forma humana. Eu vi ódio nos olhos dos dois. Meu coração se apertou, aquilo estava errado.
        - Chega, Miguel. Você não sabe se controlar e isso afeta todos ao seu redor. - Cadriel disse, duro como uma rocha.
        Miguel tinha os olhos baixos, parecia triste. Me fitou por um breve instante. Senti pena diante daquele olhar.
         - Desculpe por machucá-la, dou minha palavra de que isso não se repetirá. - Após falar estas palavras, ele se desfez nos pássaros noturnos e se foi, amargurado.
         Percebi que o sentimento mais nobre entre os dois era mágoa. Cadriel se virou para mim, ainda havia mágoa em seus olhos e uma espécie de tristeza. Me aproximei, olhando em seus olhos verdes como água. Havia tanto ali dentro... E eu não era capaz de identificar tudo. Meu coração se acelerava, como uma ameaça de explodir a qualquer momento. Meus pelos se eriçaram, meu corpo parecia congelar diante daquele homem absurdamente lindo, eu desconfiava que ele tivesse sido esculpido por deuses. Lhe abracei, mas ele era como uma pedra bruta. Era como se lutasse contra algo dentro de si mesmo. Eu queria ajudá-lo, queria estar perto dele. Porém, ele me afastou, sem a menor delicadeza, caminhando para longe de mim. Senti meu coração em caquinhos, esfarelando dentro de mim, despertando a minha raiva. Me senti mudar de cor, de tanto ódio.
         Eu o olhei distante de mim, sem querer sequer olhar nos meus olhos e me dizer que não suportava ficar perto de mim. Eu sentia raiva, estava cansada daquilo tudo. Cansada de ver as pessoas mentirem, cansada de ser idiota, cansada daquela loucura toda!
        - Você é um idiota! - Gritei alto.
        Podia sentir a raiva me dominar, o ódio correndo pelas veias.
         - Tem razão em não me querer perto... - Comecei, tentando me acalmar, me conformando. - Eu não sou a garota mais linda do mundo, sou uma das mais problemáticas e defeituosas. Nós, os Grier, somos vazios, somos egoístas, não sabemos amar, sequer sabemos viver! Mas, agora, EU não quero você. Não vou implorar seu amor, nem exigir sua presença. Me contento com meus fantasmas, não preciso de um demônio.
         Por dentro, eu acabava de abrir um buraco no peito. Me sentia pior, mais pesada, mais...
          - Não fará diferença, menos um fardo para mim. - Ele disse. - Tente não se matar, eu não sou seu anjo da guarda, sou um demônio! - Seus olhos mostravam raiva e algo a mais que não pude identificar.
        Suas palavras rasgavam meu coração como um tecido podre. Minha vontade era chorar, mas me contive. Meu orgulho sempre falaria mais alto, sempre bradaria forte. Quando ele se transformou em morcegos e partiu, minha estrutura se abalou. Odeio pessoas dramáticas. Comecei chorar, nem entendia porque, mas chorava, como uma criancinha de colo. Foi nesse momento que eu percebi que no final das contas, que depois de termos nos machucado, eu o amava.
          Amava e não havia mais como negar. Um vampiro conseguiu me dobrar. Ah, como eu amava! E isso doía. Eu devia ter dito antes. Era tarde. Me enganei tanto que o perdi e isso me machucava. Cada soluço meu desmoronava uma muralha de orgulho, eu sentia uma dor tão grande... Imensurável.
          Eu sou uma IDIOTA!!!
          Me ergui com meus caquinhos espalhados e fui até a cama, me encolhendo, me contorsendo de dor. Uma dor que eu nunca havia sentido. Tão pior quanto perder alguém para a morte. Me abracei com o travesseiro e me afoguei em lágrimas, deixando, permitindo-me desmanchar-me em líquido salgado. Era como se um cirurgião tivesse arrancado meu coração sem ao menos injetar em minhas veias uma anestesia. Só sei afastar as pessoas! Ser idiota e machucar são minhas especialidades!
           E eu estava pagando um preço caro por isso. Chorei até desmaiar de sono, sem forças para mais nada. Adormeci.

Seus olhos verdes cheios de ódio, ele me dava as costas, me deixando para trás. Tentei chegar até ele, mas ele sumiu.
- Cadriel! Cadriel! - Gritei alto, porém ele não estava lá para me ouvir.
Eu havia estragado tudo! Ele estava com raiva e a culpa era minha... E esse tal amor estava me destruindo, arrancando meus órgãos sem piedade!

A PassageiraWhere stories live. Discover now