O futuro

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     Todos assentados à mesa, como as típicas famílias de filmes, perfeita e carinhosa. Absolutamente nada fazia sentido, parecia que eu havia sido arremessada em marte, com uma cópia falsa da minha família. Minha mãe serviu o café. "Onde está a empregada?" Ela me olhou, sorrindo com olhos gentis e amáveis. Deixou a garrafa sobre a mesa e me abraçou, dando um longo beijo no topo da minha cabeça.
   
     - Está tão séria, Skie! Você devia sorrir mais! - Ela falou alegremente.

     Estreitei os olhos, incomodada. Logo, meu pai entrou, trazendo consigo Mattew, que ria de algo que dissera. Os dois pareciam pai e filho, normalmente! Eu não sabia o que estava acontecendo, por que Mattew estava ali, por que todos pareciam alheios à realidade. Aquilo tudo não era real, me recusava acreditar no que via. "Nem tudo é o que se vê".

     - Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui?! - Gritei dando um pulo da cadeira e olhando ao redor nos olhos de cada um deles.

     - Está de mau-humor tão cedo, Skie? - Mattew riu, puxando uma cadeira para sentar-se em seguida. - Ah, é! Você SEMPRE está de mau-humor pela manhã, relaxa você nunca se atrasa. Na verdade, nem tem como você se atrasar, por que não dorme, parece uma zumbi de madrugada! Acordei ontem e a encontrei sentada no sofá assistindo tv! - Ele estava tão diferente... Era como se fosse outra pessoa, um outro Mattew, um outro cara.
     
     Parecia leve, presente, feliz. Não era nem um pingo o jovem problemático que eu sabia que era. Naquele momento, tive um choque e me sentei pesadamente sobre a cadeira, observando aquela cena tão natural. Até meu pai, que eu odiava, eu sentia não odiar mais. As coisas pareciam se ajustar dentro de mim, ficar no exato lugar de que nunca deveriam ter saído. Meu coração não estava despeçado, não havia culpa em mim, não havia mágoa, não havia vazio, não havia solidão... Estava tão perfeito... E eu não queria estragar, então encenei aquela peça.

     - Está tudo bem, Skyla? - Meu pai perguntou, com os olhos cansados e preocupados. - Insônia de novo? Senti falta de um pote de sorvete. - Ele tentou sorrir gentilmente.

     Me perguntei o que havia acontecido com ele. Me perguntei quando ficamos amigos. Haviam muitas perguntas, não haviam explicações. Olhei ao redor novamente, percebendo que todos pareciam fazer a mesma pergunta "você está bem, Skie?". Aquilo tudo não era real, Mattew não estava ali, ele não estava vivo! Eu sabia da verdade, sabia e lembrava do enterro dele, lembrava das flores, das lágrimas, da tristeza, da solidão, da angústia, da culpa por tê-lo deixado, lembrei dos amigos dele, todos sem reação, lembrei do seu corpo imóvel, da pele sem cor, sem vida, dos olhos fechados para sempre. Lembrava da cor do terno que o vestiram, lembrei da dor que nunca me abandonou por todos os erros que cometi.

      E eu estava ali, jogada de uma forma qualquer na cadeira, tentando assimilar as pessoas diante dos meus olhos, enquanto os meus ficavam úmidos. Me levantei, saindo de perto daquela cena perfeita, pois tinha medo de destruir o que via se eu abrisse os olhos. Ficaram silenciosos, me acompanhando com o olhar. Subi as escadas, encontrando o quarto que um dia foi meu, mas que parecia ainda ser ocupado por mim, com sua decoração escura e básica, nada exagerado demais. Fiquei estática, parada no tempo, observando cada minúsculo detalhe. Me sentei no chão, no canto da cama, abraçando as pernas. Encarei meus tênis favoritos, com um aperto no coração. Ouvi alguém bater na porta e entrar no quarto. Em seguida, ergui o olhar para encontrar um cara alto que se sentou ao meu lado. Mattew me encarou por um momento, para depois se perder nas nuvens.

     - O que aconteceu..? - Perguntei.

    - Como assim? - Ele estreitou os olhos, sem entender.

    Me dei conta que tudo estava diferente, que nada do que eu lembrava estava ali.

    - Depois que eu fui embora... Quando eu voltei? - Falei, ainda na insistência de tentar assimilar aquela vida.

A PassageiraWhere stories live. Discover now