O Homem Sentado Sozinho na Nave

30_ Um dinossauro sentado sozinho na nave.

Um ano e meio se passou desde que se iniciou a penumbra de Capitão Mar. Vivia escondido no laboratório e não falava com Iris, nem para dar ordens.

Sentiu o estremecer da nave. Olhou pela janela e viu uma cortina de rochas e meteoros em chamas. Algumas (pequenas) já colidiam com a nave. A nave estava em rota de colisão com o caminho em forma de avenida espacial percorrido pelos meteoros. Era uma cena apocalíptica e assustadora. Era um movimento bruto, rápido e colossal no espaço. Não era possível enxergar o inicio de onde vinham as rochas em chama, muito menos o fim.

Maruan e Iris estavam em risco e essa cena de perigo foi o suficiente para quebrar o silencio e o abismo que havia entre os dois.

- Iris, por favor, dê meia volta.

- Impossível Capitão. A gravidade dessa chuva colossal de meteoros já surte efeito sobre a nave. Estamos sendo puxados diretamente para dentro da tempestade.

Ao ouvir tal afirmação de Iris, Maruan correu direto para a cabine. Há um ano em meio não pisava os pés lá. Pensou que a solução para aquele momento dramático seria passar pela tempestade de fogo controlando manualmente a nave na esperança de atravessar o outro lado causando o menor dano possível.

- Iris, vamos atravessar a tempestade.
- Desculpe Capitão, mas essa manobra é muito arriscada e a chance de sucesso é de apenas 1,3%. A nave entrará no fluxo das rochas e a essa temperatura a nave derreterá como cera, na melhor das hipóteses. Se me permite ser realista, um meteoro imenso entrará em colisão com a nave antes de alcançarmos o centro da tempestade.

- Não temos escolhas. Vamos arriscar.
- Capitão, há um buraco de minhoca formada antes da tempestade, logo na entrada. Podemos direcionar a nave para lá mesmo sendo puxados pela gravidade da tempestade.
- Negativo Iris. Uma fenda no espaço pode nos levar a anos luz de distancia da Terra e até mesmo da Frota Estelar Imperial. Vamos atravessar a tempestade.

Maruan sentou na cadeira da cabine. Sentado se sentiu sozinho diante de uma situação tão extrema. A nave era seu lar e mantê-la significava sobrevivência.

Viu pelo radar e pela janela da cabine a fenda negra formada na entrada da tempestade. A nave se direcionava pra lá.

- Iris, por favor, tire a nave do piloto automático.

Iris não obedeceu a ordem. A nave continuava em direção à fenda.

- Iris, controle manual. Isso é uma ordem!

Iris continuou no controle e a nave seguia firme, direto para a fenda.

Maruan saiu da cabine e correu direto para a alavanca vermelha que desativava Iris por completo. Tomaria o controle da nave, mas ficaria completamente sozinho sentado nela. Teria que fazer tudo manualmente. Cuidar da horta, dirigir a nave e tocar o laboratório. Dormir por mais um ano e meio e deixar a nave a deriva novamente seria suicídio. E a solidão ainda apavorava o coração de Maruan. E por mais que ficassem calados, sem conversar, a presença de Iris, ainda que silenciosa, era vital para sua condição no espaço. Segurou a alavanca mas não teve coragem de desativá-la. Entraram na fenda, evitaram a tempestade e pararam num universo ainda mais desconhecido.

- Iris, onde estamos?
- De volta ao Sistema Solar, Capitão.
- Entre em contato com a Frota Estelar Imperial. Quero saber o ano em que estamos.
- Noventa anos se passaram desde nossa partida, Capitão.

Maruan se deixou largar ao chão, assustado e em choque. Depois de quase um século sabia que estavam todos mortos. Todos que amava. Era, portanto, o único de sua geração que ainda estava vivo. Puxou a alavanca, cheio de ódio.

- Morra desgraçada!
- Desculpe Capitão, mas a minha desativação não será iniciada. Conectei-me diretamente com a rede. Após todos esses anos algumas coisas estão mudadas.

Iris era uma rede de comunicação que era capaz de conectar apenas a Terra. Agora ela foi incluída na conexão de toda a Frota Estelar Imperial. Era capaz de adquirir conhecimento, criar outras inteligências artificiais, alem de máquinas. Enquanto Iris evoluiu em noventa anos, Maruan não passava de um antiquado, fora do seu tempo e da atual realidade tecnológica. Maruan se tornou um dinossauro. Um dinossauro sentado sozinho na nave.