3_ Puro e Simples

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Folheou o livreto azul com carinho e abriu numa página marcada com uma frase pintada de giz de cera; "Vê mais longe a gaivota que voa mais alto". Maruan sorriu um sorriso bobo e duvidou se no mundo havia alguém que enxergasse mais longe do que ele. Duvidou se alguém era capaz de enxergar além dos limites do universo. Duvidou de si mesmo se era capaz de voar além desses limites. Duvidou, em seguida, de sua própria dúvida.

Era disciplinado. Corria pela manhã bem cedo, enquanto os outros estudantes ainda dormiam. Era honesto. Nunca furava filas. Era digno. Sempre orava ao Pai antes de dormir.

Estudar era um hábito adquirido por ser condicionado ao Estado que o acolheu e o educou desde os seus seis anos de idade.

Orar era um hábito adquirido pelo exemplo dos pais.

Seu cabelo era penteado de ladinho, mauricinho do século XXII. A gravata slin, azul claro, vinha embutida num colarinho branquinho e a camisa passadinha, passadinha. Se fosse um jovem de épocas antigas, carregaria livros. Mas mauricinhos intelectuais, atléticos, dos dias atuais, carregam um ponto nos tímpanos conectado à rede; o que outrora já foi chamado de Internet, hoje chamam de Íris.

Era delicadamente bonito, apesar de possuir peito, braço, ombros bem definidos e ligeiramente robustos.

Era muito inteligente, apesar de bonito. Na verdade não se explica alguém ser tão bonito, se inteligente, e tão inteligente, se bonito.

Inteligente, bonito e violinista. Participava de um projeto de extensão onde ensinava violino para crianças recém chegadas ao campus. Maruan achava que música era poesia em forma de matemática, matemática em forma de poesia. Amava as claves, tanto quanto amava as equações. Amava as notas, tanto quanto amava os números.

Mas gostava mesmo dos fins de semana, onde podia se passar alguns momentos bons com os pais. Os fins de semana passavam tão depressa! Como tudo que é bom nessa vida dura, dura.

Durante o dia, esculpia madeiras com o pai e voavam juntos, no monomotor, à tardinha. O pai de Maruan vivia contando histórias daquele pequeno avião. Dizia que já estava na família há quatro gerações e que foi usado, em outras épocas, para lançar pesticidas em pequenas plantações. Dizia, também, que foi usado, vez ou outra, para combater incêndios florestais.

- É um velho de guerra! - O pai dizia com um sorriso largo de orgulho no rosto.

À noitinha, jantavam e faziam fogueira. Cantavam música caipira, enquanto Maruan arranhava a viola. Não era tão bom quanto no violino, mas dava pro gasto.

Rasgava a mãe de elogios e ficava alí, abraçado nela, até a fogueira se apagar devagarinho...

Amava os pais mais do que os números, as notas e voar. Oravam juntos ao Pai, em nome de Jesus Cristo. A influência do Espírito Santo era tão clara! O amor que os envolvia era o amor puro e simples. Como tudo que é bom nessa vida tem de ser.

O Homem Sentado Sozinho na NaveWhere stories live. Discover now