Capítulo 03

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Minha mãe pediu outra bebida ao garçom, com o celular ainda no ouvido. Taças vazias de vinho e martini se acumulavam em nossa pequena mesa, no cantinho do Dalton's.

"Mãe, não precisa disso..." Falei, envergonhado e me sentindo um nada.

"Claro que precisa. Aquele putão vai pagar por te humilhar desse jeito. Quem ele pensa que... alô?" Minha mãe levantou para conversar com nosso advogado, do outro lado do bar.

Eu suspirei, mais humilhado e perdido do que nunca. O Dalton's era um dos bares mais exclusivos de Las Vegas, no terraço de um cassino importante, então ali estaríamos seguros. Mas imaginar o alcance daquele selfie fazia gelar meu estômago.

O garçom trouxe o whisky da minha mãe e a minha Coca-Cola, que eu bebi lentamente. Pelo menos um de nós precisava se manter sóbrio.

A mãe havia desligado meu celular. Eu arrisquei ligá-lo de novo e logo me arrependi. Ele não parava de apitar com mensagens e ligações de pessoas que eu não conhecia, e eu nem tentaria entrar nos sites de notícia. Eu tinha plena ciência do meu status de rockstar, um escândalo desses devia ser o assunto da semana em todo o país.

Sem estômago para ler as mensagens, eu abri minha galeria de fotos e desci até a pasta dos favoritos.

Eu sorri e chorei ao mesmo tempo, abrindo a foto do vovô e da vovó. Era uma foto esquisita, os dois comendo torta no aniversário da mãe, mas foi a última foto que tirei deles.

Minha vinda ao mundo não foi exatamente planejada. Minha mãe me criou com meus avós, e o vovô foi como um pai durante a minha infância. Mesmo sendo um diplomata importante ele sempre apoiou meu hobby como músico, incentivou que eu tornasse isso uma profissão. Ele e a vovó me acompanharam em todos os shows, desde as pequenas apresentações nos bares de amigos, até meu primeiro espetáculo como vocalista da Death Cannibals.

"Ainda bem que vocês não estão aqui para ver isso." Eu passei a mão no rosto molhado, deixando uma lágrima pingar na tela. "Sinto falta de vocês, sabiam?"

A mão da minha mãe pesou no meu ombro.

"Pode apostar que não sentiriam vergonha nenhuma. O velho era rigoroso e chato pra caralho, mas eles estariam bem aqui com a gente, ligando pra advogados e falindo algumas revistas."

"Obrigado, mãe." Eu sequei minhas lágrimas. "É meio sem sentido eu sentir falta deles, né? Ainda mais agora."

"Por que seria? Você encontrou seu pai, e o Michel é maravilhoso, mas os velhos te criaram que nem filho deles, é normal sentir saudades." A mãe desceu o whisky todo de uma vez. "Eu também sinto."

Eu sorri e terminei minha Coca-Cola, totalmente miserável.

"Ânimo, nem tudo são más notícias. A produtora mandou mensagem. Vão cobrir os gastos de cancelamento de toda a turnê."

"E quais as entrelinhas?" Eu afinei os olhos, desconfiado. Tudo bem que eu era famoso, mas a produtora não arcaria com um prejuízo tão grande por simples bondade.

"Você sabe o que eles querem. Apenas uma música que... Shane não vire a cara para sua mãe!"

"Não vai ter cancelamento. Já decepcionei meus fãs o suficiente." Falei, finalmente me rendendo e misturando o resto de coca no que sobrou do mojito.

"Esse é meu garoto." A mãe deu tapinhas no meu ombro. "Tá vendo como você não é egoísta? Sempre coloca os outros na frente, parece o seu pai." E então o celular dela tocou e ela deu um sorriso. "Ah, falando no diabo..."

Ela me entregou seu celular, que ainda piscava a imagem do meu pai na tela. Droga, aquele não era um bom momento.

Doutor Michel era o pai dos sonhos, sempre disposto a me ajudar e a fazer tudo comigo, em parte para recuperar o tempo perdido, e em parte porque gostava muito de mim. E eu também gostava muito dele. Eu me perguntava o que meus avós pensariam se o tivessem conhecido. O vovô ficou tão chocado quando saí do armário, e o meu pai biológico também era gay.

Percebendo que me perdia nos pensamentos eu atendi rápido, antes que ele desligasse. Fiz um gesto com a mão pedindo pra mãe ir beber no balcão.

"Oi, pai. Tudo bem?" Perguntei, brincando com os gelos no meu copo.

"Oi filho." Meu pai suspirou, bem derrotado. "Nenhuma boa notícia, de novo. O Alisson só piora e piora. Os outros médicos já desistiram, acham que não tem volta."

Meu coração doeu pelo meu pai, embora a notícia não surpreendesse. O Alisson, namorado dele, já estava em coma há vários meses após ser atacado no mar. Ele havia perdido a perna, e em breve perderia a vida.

"Sinto muito, pai."

"E você, como está? O enfermeiro falou algo de uma revista, mas não prestei atenção, porque..." Meu pai deu um longo bocejo. "Tenho estudado durante a noite toda."

"Tá tudo ótimo." Eu sequei uma lágrima que escapou, mas consegui manter a voz firme.

"O show de ontem foi bom? Desculpa ficar aqui em Waikiki, mas prometo assistir as gravações. É só que o Alisson precisa de tantos cuidados, me desculpa mesmo."

"Eu entendo, pai." Forcei um sorriso, mesmo que ele não pudesse ver.

"Eu... eu não vou saber viver sem ele." Meu pai começou a chorar. "Desculpa falar isso pelo telefone. Os outros médicos mandaram eu me preparar, mas não consigo. Eu amo o Alisson, amo ele mais do que tudo."

"Estamos todos rezando por um milagre."

"Você está bem, mesmo? Sua voz está estranha."

"Ahm... é tristeza pelo Alisson. Conheço seu amor por ele." Eu respirei fundo, me esforçando para parecer animado. "Tente dormir uma noite inteira. Posso pedir pro Gabe te buscar."

"Não quero... não posso..." Meu pai respirou fundo, exatamente como eu recém havia feito. Sua voz se tornou animada. "Desculpa te aborrecer, só queria ouvir sua voz um pouco. Espero que seu próximo show também seja perfeito, as casas de show de Las Vegas parecem lindas."

"É, são inacreditáveis. Você vai ficar bem mesmo?"

"Não se preocupe comigo, cantar pra tanta gente me parece tão estressante. Boa sorte aí, filhão, e mande um oi pra Kandi."

"Pode deixar." Eu desliguei o celular e levantei da mesa.

Naquele breve tempo minha mãe havia bebido três taças de martini. Eu lhe devolvi o celular enquanto ela terminava mais um e segui até a porta.

"Não podemos ir agora, Shane. Os jornalistas devem estar lá fora."

"Foda-se os jornalistas. Pegue sua bolsa e vamos ao hotel fazer as malas." Falei, vestindo minha jaqueta na chapelaria.

"Malas? Para onde? Seu próximo show é no sábado!" Minha mãe cambaleou até mim, já bem acostumada a correr bêbada.

"Mudei de idéia, você vai cancelar toda a turnê e eu vou voltar pra Waikiki. Meu pai precisa de mim."

Achei que a mãe faria um discurso indignado, retirando tudo o que disse sobre eu não ser egoísta, e sobre sabotar minha carreira, mas ela apenas sorriu e pareceu mais orgulhosa ainda.

"Vou com você." Disse ela, ajeitando a gola alta do meu disfarce. "O Death Cannibals está oficialmente de férias."


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Nota da Autora

Feliz 2018 a todos <3

Romance ao Som de Violão está de volta ao Wattpad. Atualizações segundas e quartas! A história será postada integralmente e depois ficará como amostra, então não deixem de acompanhar.

Por favor votem, comentem e ajudem a divulgar <3

R. B. Mutty

Romance ao Som de Violão (AMOSTRA)Where stories live. Discover now