Capítulo 9

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Ivan consultou o relógio de bolso, sentado na banqueta, que desprovido do piano à frente, parecia um caixote sem conteúdo, esquecido num armazém qualquer.

Sara havia dado um jeito na bagunça, e fazia dois dias que não aguentava dormir em casa, não exatamente por conta do telhado ele arrumou mais rápido que teria pensado. 

Mas pelo cheiro de amoníaco e quinino, consequência da faxina maluca a governanta de Weather Lake procedeu no barracão, enquanto se virava fabricando telhas novas.

O que era um prodígio uma mulher beirando os cinquenta, pequena e roliça fazer tudo aquilo sozinha, quando reconhecia a necessidade de um exército para transformar a cabana em algo minimamente habitável,sentiu-se constrangido e comprometeu-se a ser mais cuidadoso.

Sobre a cama, o terno marrom, a camisa velhinha mas de tão bem passada, parecia comprada aquela manhã e a gravata borboleta, ele sinceramente achava não ia usar, ou ficaria muito parecido com um menino.

Aliás, era o que acontecia se tirasse a barba, e se deixasse vir de pele lisa. 

Feições de garoto surgiriam por baixo de todo aquele ar ranzinza e cara de mau, Ivan lutou tanto para aprender a dissimular , que a expressão de bandoleiro arredio acabou igual uma máscara colada ao rosto.

Devia estar maluco, claro: o que não seria novidade, talvez pulasse uma geração, mas cedo, ou tarde os sinais de esquizofrenia não tardariam,começariam a aparecer. 

Não tinha sido isso que condenara o avô a corda e ao cadafalso, depois do assassinato de Yulia sua avó, por ciúmes ?

O Cigano, que roubara Yulia Seminova de uma bela mansão em Kiev quando ela tinha quinze anos somente,e fugido com a donzela para se esconderem em  Moscou?

Legítima tragédia "Dostoieviskiniana" se é que essa palavra existia, e que ocasionara a famosa maldição dos Alkaev.

Tentou não pensar a respeito...Entretanto estava bem difícil, por assim dizer, de maneira tinha vinte dois minutos e trinta e quatro segundos, para ganhar juízo:juntar as tralhas e dar o fora dali.

Ou?

Agir conforme a loucura seu coração, orgulhoso, e turrão o impelia: ir se sentar a mesa dos Carter, como dignatário ele fosse.

Levantou-se descalço, os pés molhados deixando marcas no chão que de tão liso, e encerado, quase caiu e perdeu a toalha presa a cintura. 

Pegou a fitinha preta de seda, e rapidamente, começou a voltear no rabo de cavalo.

O pedacinho de cetim que nos domingos substituía a tira de couro cru, um simples artifício o livraria da eterna imagem de guerreiro eslavo sanguinário, para a metamorfose, de :cavalheiro refinado.

_Parece você vai fazer isso mesmo, não é seu imbecil?

É ele sabia que ia. Assegurou-se disso num suspiro, quando se aproximou da cama, e começou a abotoar a camisa alva de gola cossaca.

Era bastante cedo aquela mesma manhã, no momento em que achas de madeira voavam pelos ares, e suor escorria dos braços a cintura aos píncaros, a cadência do machado de um gume único, sem parar, até: fúria descia e subia cortando ao meio, a pilha de lenha só aglomerava ao lado do toco onde descansava o pé.

Quando pela primeira vez em nove anos, desde empunhara o instrumento ainda, magrinho, magrinho e sem tônus, quase perdeu o golpe e a arma primitiva, fatalmente por um nada escapou de seu punho, ao se assustar com o que seus olhos via, contudo mal acreditavam.

Onde Impera a PaixãoWhere stories live. Discover now