Capítulo II

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Dulce


Entrei na sala de aula antes de todos, e sentei-me no fundo. Não que eu estivesse ligando para o que estavam falando sobre mim, depois que acertei a molenga da Ester na sexta-feira, mas não queria toda a sala me olhando quando entrasse. Nunca gostei que me olhassem, ou pelo menos do jeito que me olham, como se eu fosse uma aberração da natureza. O professor de história chegou com uma pilha de livros nas mãos, não sei pra que tantos livros, ninguém presta atenção em nada do que ele diz mesmo.

_ Olá senhorita Dulce! _ Contive o ímpeto de ir até a mesa dele e esmurrá-lo: Aroldo me irritava, aliás, tudo no colégio me irrita. Lembrei que mais uma suspensão e ia ser expulsa, tendo que me contentar em estudar no colégio militar a trinta quilômetros de casa. Eu até preferia isso, mas a ideia de deixar meu pai doente nas mãos de minha madrasta egocêntrica, era insuportável.

_ Olá Sr. Aroldo! – Respondi finalmente, demonstrando o mínimo possível de minha raiva.

Em cinco minutos a sala estava cheia, e o infeliz lá na frente tentando pôr em ordem algum questionário que queria aplicar.

_ Preciso de duplas, vocês tem dois minutos para escolher seu par.

Ele falava sério, em relação ao tempo o Sr. Aroldo era extremamente rigoroso. Analisei minhas opções, contando apenas com quem não tinha par fixo pra trabalhos. Sara parecia a melhor escolha, embora ela fosse uma beata irritante, era inteligente e não me olhava com desprezo.

_ Sara, você já tem dupla? 

Instintivamente, ela olhou pra sua quase-irmã que eu meio que tentei matar na sexta, e a viu com o nerd do Leonardo, então veio e sentou-se do meu lado, com um sorriso indicando que após fazermos o exercício ela ia me dar uma aula de religião. Eu já estava cansada de ouvir minha madrasta colocando em Deus a culpa por todas as desgraças que acontecia comigo. Nem sei mais se acho que Ele é bom mesmo.

Terminamos muito rápido o questionário e Sara começou a fazer seu papel de beata.

_ Como seu pai tem passado?

_ Bem.

_ E a Carolina?

_ Está melhor do que eu gostaria que estivesse. – Ela pareceu horrorizada.

_ Não fale assim; ela é sua madrasta.

_ Olha só, eu não quero falar sobre isso. – Comecei a desenhar em meu caderno.

_ Você desenha bem.

_ Obrigada! – Eu só queria que ela fosse sentar-se de volta em seu lugar agora.

_ Quer ir a minha casa depois da aula? Vovó vai fazer torta de frango para o almoço. Você gosta de frango?

_ Tenho que cuidar do meu pai.

_ Então posso ir a sua casa levar um pedaço de torta pra ele? Seu pai gosta de frango?

Por essa eu não esperava: ninguém ia a minha casa, nunca. Meu pai tinha sido preso alguns anos atrás, acusado de tráfico e desde então ninguém mais nos tratou normalmente, mesmo depois que ele foi absolvido e teve câncer. Olhei incrédula para aquela garota minúscula do meu lado, e tive certeza de que os avós dela não a deixariam ir, mas para encerrar a conversa, fiz que sim com a cabeça. O sinal tocou e saí apressada para cobrar o "pedágio" dos outros alunos; ter um pai com fama de criminoso e ser assustadora, tinha muitas vantagens, eu "arrecadava" uma boa grana por mês.

Por volta de duas horas da tarde, alguém chamou no portão:

_ Dulce, faça algo de útil e vá ver quem é. –

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