Capítulo VIII

72 13 10
                                    


Ester

A praça que ficava no fim da cidade estava deserta, concentrei-me no meu rosto refletido no pequeno espelho que tinha na palma da mão. Eu tinha o deixado em um canto da janela da sala durante a aula toda. Toquei o espelho desejando ver o que tinha acontecido na segunda aula. Agora era mais fácil controlar, estava adorando aquilo; meu espelho gravava todas as aulas e assim eu não teria problemas para estudar.

Quando voltei a realidade, percebi que não estava sozinha, do outro lado da rua, uma mulher com aparência de lutadora de MMA me olhava fixamente, senti o perigo nela, fiquei arrepiada ao mesmo tempo que me levantei­­ e comecei a caminhar em direção a minha casa. A criatura assustadora veio andando atrás de mim, eu sabia que ela queria me ferir, eu podia sentir seu cheiro e não era um cheiro humano, definitivamente não era. Alguns dias atrás eu ia pensar que estava ficando louca, mas após passar horas vendo através de espelhos, já tinha me acostumado com a ideia de que eu não era totalmente humana. Seguindo meus instintos, comecei a correr e ela veio atrás de mim. Arrependi-me de ter procurado um lugar tão deserto para ver em meu espelho. Entrei em uma plantação de milho desejando que ela não me visse, e ela não me viu, mas me farejou, e não demorou muito a me encontrar encolhida atrás de grandes pedras.

_Quem é você?

Minha voz saiu trêmula. Ela sorriu e vi seus dentes afiados, li muitas histórias sobre vampiros, mas ela não podia ser uma, não tinha cheiro de vampiro, e eu sei lá como conheço o cheiro deles. O dela parecia com cheiro de cachorro molhado... Não, lodo, ela tinha cheiro de lodo, de algo podre.

_ Sou sua morte. - Ela disse enquanto avançava para me matar, e foi quando ele surgiu, usando a mesma batina que vestia para celebrar as missas ao domingo.

_ Deixe a menina em paz! - Aquela criatura assustadora virou-se e encarou o velho padre sem demonstrar surpresa.

_ Você devia ter ficado na igreja, aqui fora eu posso fazer o que quiser.

_ Nenhuma folha cai sem o consentimento de Deus.

_ Sua hora chegou Confessor, assim como a dela. - Ela avançou na direção do padre Estevão e ele não recuou, e se transformou em um lobo. Minha cabeça girou rápido; o padre que pregava a conversão dos corações era um lobisomem! Os dois lutavam ferozmente, mas sem dúvida aquela coisa com aparência de mulher era mais forte. _ Invoca ao teu deus Confessor, veja se Ele se importa com seu destino. - O padre-lobo estava muito ferido e eu que nunca gostei dele, que sempre dormi em seus sermões, o vi sangrando para me proteger, lembrei de uma ocasião na catequese em que ele falou sobre o maior mandamento: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. E naquele momento ele estava amando a Deus, e estava me amando, e eu não ia deixar aquela coisa matá-lo. Sem saber o que fazer, peguei pedras no chão e joguei em direção a mulher, que se virou e avançou para me matar.

Tudo aconteceu rápido de mais, o lobo pulou em suas costas, mas ela virou-se e quebrou seu pescoço, e quando ele estava no chão, ela puxou uma faca negra e cravou em seu coração que já não batia. Senti a terra sumir debaixo dos meus pés, tudo pareceu acontecer em câmera lenta; ela sorrindo de maneira maléfica e voltando sua atenção para mim, que estava imóvel como uma estátua, olhando o corpo do lobo transformar-se novamente no padre Estevão.

- Sua vez, garota.

Senti a morte aproximar-se em passos lentos, e então tudo ficou escuro, não havia mais sol, e em segundos tudo estava pegando fogo. A criatura ficou desnorteada, olhando de um lado para outro procurando por algo ou alguém. E fugiu em meio às chamas gritando algo em uma língua que eu não conhecia, mas entendi o significado mesmo assim, era algo do tipo: "Vingança que congela o sangue." Corri em direção ao padre e tentei em vão ouvir seu coração, mas o que ouvi foram passos, temi que a coisa tivesse voltado, ao levantar os olhos deparei-me com Morgana e desmaiei.

Morgana

Depois que Ester acordou, demorou até que parasse de chorar e me contar o que tinha acontecido. Contei o que houve comigo e Tiago, e nada fazia sentido. Na verdade, eu não sabia o que fazer; estávamos no meio de uma plantação de milho, parcialmente incendiada, não ia demorar até o dono aparecer para ver o que tinha acontecido, e havia um corpo, como íamos explicar aquilo? Ela estava em choque, nem prestou muita atenção ao que eu disse; era como se só parte de sua mente estivesse funcionando. Não podia contar com sua ajuda, e só havia uma pessoa que podia me ajudar naquele momento. Liguei para minha avó, desejando que houvesse sinal para o telefone, era um feitiço simples, mas eu também estava chocada com a morte do padre, e estava difícil de me concentrar. Ele e vovó eram amigos de infância, sempre soube que ele não era humano, mas havia algo mais. Ouvi vozes, nós tínhamos que sair dali.

_ Ester, os lavradores estão vindo, temos que sair daqui.

Ela não parecia me ouvir, mas estendeu-me a mão e a ajudei a se levantar. Quando estávamos saindo da clareira formada após a luta, meu instinto me fez olhar para o corpo. Algo brilhante estava no bolso rasgado da batina. Aproximei-me do corpo e puxei o objeto. Era uma chave.

_ O que você está fazendo?

_ Algo me diz que temos que guardar isso.

_ Você está roubando um homem... um lobo... um padre lobisomem morto!

_ Não estou roubando: vou guardar até descobrir que porta abre. - Arrastei a "Sem Sal" pela plantação em direção a um rio. - Temos que encobrir nossos rastros; vamos seguir parte do caminho por dentro da água.

_ Você roubou um padre!

_ Falou a católica fervorosa! Eu já disse que não roubei, vou guardar até descobrir porque ele morreu.

_ Ele estava me protegendo.

_ Não era só isso, eu sei, eu sinto. Agora vamos chegar logo em casa, inventar que estávamos tomando banho de rio e mais tarde vou até sua casa.

_ Eu não vou com você a lugar algum; não confio em você. - Meu sangue subiu, e a vontade de afogar aquela garota aumentou consideravelmente.

_ Escuta aqui, eu salvei a sua vida quando incendiei a plantação, então é melhor não testar a minha paciência! - Após resmungar algo sobre me prender em um espelho ela passou a minha frente e seguiu o rio em direção a cidade.

Uma hora depois eu já havia contando tudo a minha avó, ela chorou, algo que nunca soube que tinha feito antes.

EntrelaçadasOnde histórias criam vida. Descubra agora