Jay dirigira por horas, até estar cansado o suficiente para não suportar mais um quilômetro na estrada. Parou em um vilarejo antigo, quando o sol estava começando a enfraquecer. Deixara de contar as horas quando Dundee ficou para trás.
Parou o carro ao lado de uma pousada – o local parecia atrair turistas. Respirou fundo e encolheu as pernas, aproveitando o prazer de relaxá-las depois de tanto trabalho. Em seu canto, Rebecca estava cochilando. Jay olhou-a com pena – e, no fundo de seu coração, com remorso. Perguntara-se, por toda a viagem, se o Sombra não tinha razão quando disse que ele havia sido um péssimo tutor.
Fosse como fosse, até agora havia conseguido mantê-la a salvo. Ele e Ynadrá. Passou a mão sobre o cabelo bagunçado de Rebecca, procurando despertá-la.
- Becca ...
Ela começou a se mexer e murmurar alguma coisa.
- Becca, acorda. Achei um lugar pra gente passar o resto do dia.
Ela abriu os olhos, assustada.
- Onde estamos¿
- Calma. Estamos a salvo.
Ela respirou, aliviada.
- Quanto tempo eu dormi¿
- Depois de uma meia hora de viagem você apagou e só acordou agora.
Ela olhou o céu pela janela.
- Caramba. Já tá quase anoitecendo.
- Sim. É melhor a gente entrar.
Rebecca olhou a entrada da pousada. Parecia um lugar decente.
- Ok. Você sabe onde nós estamos¿
- Um vilarejo no País de Gales. É tudo que eu sei.
- Você tem certeza de que é seguro¿
- Bom, não tem nada que nos ligue a esse local. E posso afirmar, sem dúvidas, que não fomos seguidos.
A mulher sentiu-se incerta mas acabou aceitando o argumento. Ficaram em silêncio - Rebecca estava imóvel, criando forças para descer. Jay, por sua vez, procurava as palavras para dizer algo entalado em sua garganta desde que os Sombras os tinham atacado, no castelo.
- Becca ... me desculpa, tá¿
Rebecca se virou para o homem, surpresa. Jay tinha os olhos marejados.
- Desculpar¿ Por quê¿
Ele deu de ombros.
- No fundo, eu sei que aquela aberração tinha razão quando disse que eu tinha te colocado em perigo.
- Isso é absurdo.
- Não é, não.
Rebecca sorriu.
- Jay, eu sei que não sou a pessoa mais esperta do planeta, mas tem algo que você não percebeu: quando aquele Sombra disse que você tinha me colocado em perigo, ele acabou revelando algo.
Jay franziu o cenho.
- Revelou o quê¿
- Que ele conhecia você! E seus colegas! Jay, eles – quem quer que sejam – sabem da missão em que você ... em que nós viemos! Tanto que ele mencionou Ynadrá!
Ele ficou em silêncio. Entendera o que a mulher dissera e não havia como discordar.
- Bem observado.
- Por que eles querem nos matar¿
O silêncio foi a resposta: ele não tinha a menor ideia.
***
Rebecca e Jay haviam desfrutado, até então, uma estadia bastante agradável. Era muito cedo, naturalmente, para dizer que as coisas continuariam daquela maneira, ou mesmo que eles continuariam ali, já que apenas algumas horas haviam se passado desde sua chegada.
Conseguir um quarto não foi problema – além deles, apenas uma família estava hospedada. Se registraram, mais uma vez, como Sr. e Sra. Thompson. Rebecca, naturalmente, adorou. Estava fragilizada, e o fato de dividir o quarto e a cama com Jay fazia tudo aquilo menos ameaçador.
Parte dela sentia-se patética. Embora fosse doloroso, acreditava que nunca o teria. Não conseguia crer que, algum dia, Jay fosse sentir algo parecido com o que sentia por ele. Quando trabalhavam no restaurante, não tinham mais que uma relação profissional – admirava-o a distancia. Depois que Jay contou a verdade sobre Rebecca, ele demonstrou muito carinho, mas Rebecca duvidava que seria mais do que isso, algum dia.
Não importava, contudo, quão patética se sentisse. Adorava o fato de ser Sra. Thompson outra vez. Haviam jantado num pub dos arredores e retornaram tarde da noite. Jay resolvera caminhar pelo vilarejo – apesar de ser noite, dava para perceber que o local era bonito.
Quando fecharam a porta do quarto, caíram na cama, um de frente para o outro. Jay tinha uma expressão de exaustão.
- Nunca tinha te visto tão cansado.
- É porque faz tempo que não me sinto tão cansado.
Fizeram silêncio, quando ele fechou os olhos. Rebecca imaginou que ele houvesse adormecido. Por mais que também estivesse com sono, manteve com os olhos abertos, observando-o. Estava com a barba por fazer – o que não lhe caía bem, já que tinha a barba falha.
- Becca¿ - Ele interrompeu sua observação.
- Sim¿
- Você não tá me encarando, né¿
Rebecca fechou os olhos no mesmo momento, tentando disfarçar o constrangimento em sua voz.
- Não! É claro que não! Por que a pergunta¿
- Você ainda não desligou seu abajur.
Rebecca quis se bater por aquilo.
- Jura¿ To tão cansada que nem percebi!
Ele abriu os olhos.
- Tá tudo bem. Tem uma coisa que eu quero conversar com você.
Rebecca não gostou do tom de voz.
- Pode falar.
- Bem, depois de perceber que os Sombras sabem quem nós somos, eu tomei uma decisão.
- Decisão¿ Sobre o quê¿
- A gente vai dar um tempo na nossa procura, pra que eu possa te treinar. O mínimo necessário pra você se defender, pelo menos.
Com tudo o que vinha acontecendo, Rebecca não tinha pensado sobre suas habilidades. Era estranho imaginar um treinamento – soava como se estivesse prestes a se tornar um soldado.
- Mas onde você pensa em fazer isso¿
- Bem, acho que nos campos ao redor do vilarejo. O espaço é grande e isolado o suficiente pra ninguém bisbilhotar.
- Quando a gente começa¿
- Amanhã. Não dá pra perder tempo.
Rebecca não estava com medo, mas sentia algo estranho. O que quer que fosse, achou melhor não dar muita atenção. Apagou seu abajur e fechou os olhos – tivera, afinal, um longo dia.
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