VINTE

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Eric colocou um copo na cavidade ao lado de sua cama. Estava sedento. Esperou por alguns segundos, mas nada aconteceu. Deu um soco no canto da máquina, sem receber qualquer reação.

- Maravilha ...

O que faria¿ Definitivamente, ficar com sede não era uma opção. Sentou-se na cama, pensando em uma maneira de conseguir água. Ainda não sabia como marcavam o tempo na Ordem, mas o toque de despertar não deveria estar longe - havia dormido por um longo período.

Os olhos de Eric ficaram marejados - não conseguiu conter as lágrimas, tamanha sua frustração. Sentia que a vida havia se tornado tão diferente que deixara de ser sua vida. Evitara lidar com suas emoções até ali e elas acabaram explodindo, como um vulcão. Chorou como nunca havia chorado antes.

A certa altura, o som dos soluços despertou o robô.

- Algum problema, senhor¿ - As luzes vermelhas ligaram-se, em sua cabeça.

Ele enxugou as lágrimas.

- Muitos. Desculpa se te acordei.

- Não se preocupe, senhor. Eu nunca durmo. Só fico no modo de descanso, para salvar bateria.

Aquilo era surreal. Eric sorriu, timidamente. Ao menos havia um lado divertido.

- Gostaria de me contar o que houve, senhor¿

Eric desconfiava de que conversar sobre emoções com um robô seria como conversar com uma parede, mas estava precisando de um par de ouvidos - ainda que fossem mecânicos.

- Tanta coisa aconteceu ... meu avô morreu, pra começar.

- Meus pêsames, senhor.

- Obrigado. Eu sinto a falta dele, em todos os momentos. Sinto falta da voz, do abraço ... e dos conselhos! Sinto falta de tudo, na verdade. Eu nunca havia pensado como a vida seria, sem ele. – Voltou a chorar.

Desligado não sabia exatamente o que dizer.

- Não fique assim, senhor ... – o robô arriscou. Se seu sistema não falhava, aquela era uma das frases mais utilizadas por humanos para confortarem-se em momentos difíceis.

- Mas não é só isso – Eric se recompôs – a vida mudou tanto, nesses últimos dias. Mudou o suficiente pra que eu não saiba qual caminho eu to seguindo. Eu não sei dizer nem onde estou, agora! Tudo o que me ajudava a entender quem eu era ficou pra trás, sabe¿ Eu olho pra esse lugar e não me vejo nele! É como se eu tivesse sido jogado num trem em movimento.

Fizeram silêncio, por alguns minutos. Eric precisava chorar. Desligado se aproximou, silenciosamente, esperando o melhor momento para falar.

- Sabe, senhor, nós robôs não temos sentimentos. Mas eu entendo o que o senhor quer dizer. Quando eu vim para esse lugar, há milhares de anos, eu nunca imaginei que minha adaptação seria tão difícil. Eu fui projetado por uma civilização muito mais avançada, para um mundo muito diferente. Quando cheguei à Terra, meu sistema sofreu com as temperaturas, com a gravidade. Até mesmo com a radiação. Achei que não teria um futuro muito longo. E aqui estou eu, milhares de anos depois. Ainda não é fácil. E, verdade seja dita, não há adaptação. Você vai se acostumando ... acha uma forma de ficar mais confortável aqui, outra ali. Nunca deixa de comparar com o que um dia foi. Mas o tempo não voltará, senhor. A vida segue. Quando a gente é jogado num trem em movimento, só nos resta acompanhar a sua velocidade. Alguns de nossos pedaços vão ficando pelo caminho – no meu caso, literalmente. E tudo o que podemos fazer é lidar com isso.

Eric não esperava tanta sabedoria vinda de um robô. Provavelmente nem Desligado compreendia a dimensão existencial do que dissera. Mas era exatamente o que ele estivera precisando ouvir, ao longo dos últimos dias. Por mais desagradável que fosse.

Todas as Estrelas Cairão do CéuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora