NOVE

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Rio de Janeiro, rodoviária.

Eric apanhou um pouco de água da torneira e jogou sobre seu rosto cor de bronze. Suas mãos tremiam. Fechava os olhos e acabava revivendo tudo o que acontecera mais cedo: imagens confusas, sangue nas mãos, criaturas estranhas voando pela janela de casa e, é claro, seu avô agonizando em seus braços.

Não tinha qualquer problema em admitir seu medo. Estava, na verdade, paranoico. Tudo era digno de desconfiança – qualquer um ao seu redor parecia na iminência de se revelar uma ameaça. Não se esquecera das palavras do avô - " ... corra, Eric. Eles ... os encapuzados ... foram atrás de você ... e voltarão a qualquer momento."

O que, afinal, poderiam querer com ele¿ Ou com seu avô¿ Formulara milhares de respostas em sua cabeça, e cada uma parecia mais absurda que a outra. Não possuíam dinheiro, poder ou qualquer outra coisa que pudesse ser digno de um ataque como o que haviam sofrido.

Procurou acalmar seus pensamentos. Levantou a cabeça e deparou-se com sua imagem, no espelho. Tinha olheiras imensas, seus olhos estavam vermelhos e seus cachos pareciam o ninho de algum animal. Não conseguiu passar um pouco de água em seu cabelo, para arrumá-lo. Não queria fazê-lo. Suas forças haviam sido sugadas para algum lugar inacessível, deixando um vazio no lugar. Só restava a tristeza. Não conseguia se revoltar, chorar ou resmungar.

Ainda não compreendia muito bem como chegara à rodoviária. Saíra a toda velocidade com o carro de seu avô, e depois de chegar a diversos destinos errados – graças ao GPS de seu celular – acabou encontrando o local certo. Enfrentou uma fila imensa até conseguir comprar seu bilhete.

Esperaria por uma hora até que o ônibus chegasse. Encarcerou-se num dos compartimentos do banheiro masculino – o que, mesmo em seu estado de torpor, parecia absolutamente nojento. Não tinha, contudo, outra opção: ou se escondia ali, ou corria o risco de topar com os encapuzados.

Revelou-se um tempo frutífero, no fim das contas. Puxou pela memória o nome Lucas Ramos e, embora a princípio continuasse sem qualquer pista sobre quem fosse, lembrou-se de que James já o tinha mencionado, antes. Era um parceiro de trabalho, com quem parecia viajar constantemente, para vender suas antenas.

Seu avô. Sua mera lembrança foi suficiente para trazer as lágrimas de volta. O que faria sem ele¿ Fora sua força e sua inspiração durante toda a vida. O mundo parecia coberto de uma aura cinzenta, sem ele.

Procurou não pensar na dor que se alimentava de seu coração. Respirou fundo e enxugou as lágrimas do rosto. Precisava ficar alerta. Qualquer erro, qualquer deslize poderia custar sua vida. Fechou os olhos, em busca de concentração, até se desligar de tudo à sua volta e encher a mente de silêncio.

Um barulho se insinuava.

Tic, Tac. Tic, Tac. Tic, Tac.

Seu relógio. Tinha se esquecido completamente do horário de partida! Abriu os olhos e consultou as horas: tinha cinco minutos para chegar até a condução, caso ela partisse pontualmente. O tempo voara!

Começou a correr, vasculhando os bolsos de sua calça, em busca do bilhete. Não demorou a encontrá-lo para, então, relembrar o portão pelo qual deveria embarcar. Estava próximo. Conseguiu chegar com um minuto de sobra, deparando-se com uma imensa fila de passageiros. Havia muita bagagem a ser embarcada, atrasando a partida.

Um problema que Eric não teria, naquela noite: bagagem.

- Ao menos isso. – Resmungou consigo mesmo.

Entrou na fila, procurando ser o mais discreto possível. Puxou o capuz de seu agasalho, para encobrir seu rosto. Evitava qualquer tipo de contato, já que não conseguia confiar nem em sua sombra. Seus planos de passar incógnito, contudo, acabaram contrariados pela inofensiva velhinha à sua frente. Por alguns minutos, ela olhou para todos os lados, com olhos pidões, em busca de alguma boa alma com quem pudesse ter uma conversa. Por alguma razão, encontrou em Eric o candidato perfeito.

Todas as Estrelas Cairão do CéuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora