QUATORZE

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Warna-San dormira pouco, naquela noite. Estava ansiosa como ficara poucas vezes. Havia despertado quando o fundo do mar ainda estava escuro – era noite. Resolveu sentar-se diante da imensa parede de vidro, que permitia observar a vida aquática.

Fazia uma semana que chegara ali. Diariamente, os médicos a visitavam, faziam exames e tiravam seu sangue. Warna não entendia a razão - depois do segundo dia internada, sentia-se perfeita, outra vez. Recobrara sua visão, sua cabeça parara de doer e ficar em pé por mais de dois minutos deixara de ser um desafio.

A princípio, achou que os médicos estavam sendo cautelosos. Diziam que havia sofrido uma pancada séria e que deveria continuar em observação para que pudessem afirmar, conclusivamente, se haveria alguma sequela. Mas os dias foram passando e a mesma rotina de exames se seguiu, sem nenhuma mudança.

Logo percebeu que, por alguma razão, estava sendo mantida presa. Questionou os médicos com o máximo de sutileza que conseguiu, sem receber nenhuma resposta satisfatória. Na noite anterior, contudo, não se conteve e fez a pergunta que vinha ecoando em sua mente: por qual razão havia sido feita prisioneira¿

O resultado foi imediato: deram-lhe um sedativo, alegando que estava fora de si. Quando despertou, dois soldados armados vigiavam a porta de seu quarto. Resolveu manter-se quieta. Não queria descobrir qual seria a próxima medida se insistisse nos questionamentos.

Melancólica, assistiu ao raiar do dia. Observou os peixes passarem à sua frente, e depois desaparecerem, começando a se questionar se privariam-na de semelhante liberdade. Por alguma razão - que escapava a Warna - a situação trouxe sua mãe à lembrança.

Com os acontecimentos dos últimos dias, ficara mais fácil suportar a dor de sua perda. Havia descoberto outras preocupações para preencher seu coração. Encontrara até mesmo um amigo - seu primeiro amigo!

Durante a semana, a criatura que a tinha salvado veio visitá-la todos os dias. No começo a situação foi bizarra. Não sabiam sobre o que conversar, e Warna sentia-se pouco confortável com o fato de se comunicar pelos pensamentos. Pouco a pouco, contudo, ficaram mais a vontade, os assuntos foram aparecendo e, surpreendentemente, descobriram interesses em comum.

Para Warna, apenas um ponto permanecia estranho: conversar com alguém cujo nome não sabia. Ela tentou adaptar-se o quanto pode, mas não deu certo. Insistiu com o amigo para que revelasse pelo menos um apelido, mas ele manteve-se firme. Deu-lhe, por fim, um nome que ele pareceu aceitar com satisfação: Zoggi.

Warna-San não revelara a razão da escolha. Zoggi preferiu não perguntar, embora se sentisse curioso. A opção fora significativa. Warna sempre imaginou como seria seu pai, ao longo da vida. Ele estava vivo¿ Com o que ele trabalhava¿ Teria outra família¿ As perguntas permaneciam sem resposta – nunca perguntara à sua mãe, a quem as coisas do passado perturbavam. Mas havia algo que ela sempre quisera: um pai chamado Zoggi.

Não sabia o porquê. Achava o nome divertido. Encontrou em seu novo amigo uma figura paternal, à medida que o conheceu. Sem que se desse conta, ele havia se tornado Zoggi, em sua mente.

Um grupo de peixes se alvoroçou, à distância. Súbito, passaram a nadar em diferentes direções, como se tivessem visto algo assustador. Com um barulho trovejante, seu novo amigo foi abrindo passagem no fundo do mar até chegar à base militar. Geralmente fazia suas visitas naquele horário, quando, segundo ele, havia menos trabalho para o serviço de inteligência.

- Olá, Warna! – Ele a cumprimentou, alegre.

- Olá, Zoggi. – Sua voz mental estava murcha.

Ele percebeu que algo estava errado.

- O que houve¿

Warna fitou o amigo, em busca das palavras certas. Quando deu por si, estava se desfazendo em lágrimas - deixou que elas saíssem. Não restava nenhuma, quando prosseguiu.

- Eles me transformaram em uma prisioneira.

- Eles¿ Quem são eles¿

- Essa maldita base militar. Os médicos, os soldados, todos eles.

A expressão de Zoggi mudou. Tornou-se sisudo, preocupado. Warna-San notou instantaneamente.

- Você sabe o que está acontecendo¿ - Ela perguntou.

Zoggi ficou em silêncio. Seu coração estava dividido.

- Zoggi¿ - Warna insistiu.

- Me desculpe, Warna ... eu sei o que está acontecendo ... mas não creio que possa te contar.

Ela se levantou, ansiosa. Começou a andar de um lado para o outro, irritada com tantos segredos.

- Esperava que um amigo fosse manter sua lealdade a mim, não aos deveres com o rei.

Ele ficou em silêncio. Era exatamente o que seu coração lhe dizia. Não devia dizer nada, pelo juramento prestado ao rei. Mas como amigo, tinha a obrigação de contar. Ao menos ela estaria preparada para o que viesse.

- Tudo bem. – Ele concordou após refletir.

Por onde começaria¿

- Warna ... quando eu te resgatei e trouxe para cá ... eu não tinha esperança de que você sobrevivesse ... foi um dos maiores motivos porque eu te trouxe. Se eu soubesse que você estava viva, talvez eu tivesse feito algo diferente ... te levaria para a capital, provavelmente.

- Eu não entendo ... o que isso tem haver com minha prisão¿

- Bem ... você foi trazida para uma base militar ultra-secreta. Você deve entender, Warna ... nós estamos no meio de uma guerra, e nosso destino, a esta altura, não poderia ser mais incerto. Você foi colocada no meio de um dos segredos mais bem guardados deste reino, e provavelmente uma das poucas chances que nós temos de resistir.

- Eu não havia percebido desta forma. – Ela ponderou por alguns segundos – Mas, de qualquer forma, não entendo o porquê da desconfiança. Que mal eu poderia fazer¿

- Eu sei disso. Mas não cabe a mim tomar essa decisão. O único que pode dizer se você representa um risco, ou não, é o próprio rei. Acredite, eu testemunhei a seu favor. Isso provavelmente contará bastante.

Warna-San sentou-se, novamente. Tentou avaliar o impacto que aquilo poderia ter em sua vida. Teria que provar a um rei que nunca conhecera – não se lembrava sequer de seu nome – que não era uma ameaça. E, pelo jeito, já havia um processo em andamento, com direito a testemunhas. Como faria aquilo¿ E, pior, o que fariam com ela, caso não fosse bem sucedida¿

- E o que acontece, se o rei não acreditar que eu sou confiável¿

- Não vamos pensar nisso, por agora ...

- É claro que vamos! Me diga o que acontece!

- Bem ... no melhor dos cenários ... você passa o resto de sua vida em alguma prisão.

Ela se desesperou. Já ouvira falar sobre as prisões de Esp-Cor - contavam as piores história possíveis. Havia os que diziam preferir a morte ao encarceramento. Inesperadamente, as últimas palavras de sua mãe vieram à sua cabeça:

"Você deve ir para a capital ... e solicitar uma audiência com o rei ... tudo o que precisa fazer é dizer quem você é ..."

Esperança brotou em seu coração. Era isso! Os Deuses haviam arranjado o que precisava. Talvez aquilo fosse, no fim das contas, uma benção disfarçada. 

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