31.2 | ou ❝tragédia não-ensaiada❞

559 86 51
                                    

A grande noite tinha chegado. Apresentaríamos a peça na frente de todo o corpo estudantil, inclusive os professores que avaliariam a produção para as notas dos alunos que estavam para se formar, e para os desesperados por nota como eu, que dependia da minha performance para passar de ano, já que além de ser péssima aluna, não tinha entregado meu projeto final de Fotografia em dupla com Lucas.

Estávamos muito ocupados cometendo erros para nos preocuparmos com isso.

Havia alguns críticos e repórteres por conta da participação de Lucas Avelar na peça, já que sua família era uma espécie de família real de Vitória. Contávamos também com a presença de alguns caçadores de talento convocados por Ava, diretamente da Academia de Belas Artes.

Todas as pessoas que eu conhecia em Vitória tinham comparecido para nos prestigiar. Meu padrasto e minha mãe, José Ricardo e os colegas do time de futebol, Lorena Dante e os pais de Andressa, Natan Avelar e Edson e Magnólia, seus pais.

Finalmente eu tinha entendido a pressão que Zaca estava sofrendo com tudo aquilo, o que justificava seu ataque de nervos dos últimos dias.

A peça começaria em poucas horas, e eu senti que precisava de um momento só para mim. Por isso, me retirei até o camarim mais afastado para respirar um pouco longe do caos perto das coxias.

Quando me olhei no espelho devidamente caracterizada como Julieta, eu mal pude acreditar nos meus próprios olhos. Eu nem me lembrava da última vez que usara um vestido, que dirá um vestido como aquele: longo, branco e acinturado. Eu tinha joias douradas nos pulsos e adornos no cabelo, que estava trançado às minhas costas em um penteado de época que era simplesmente lindo. E, por incrível que pareça, eu estava me sentindo bonita.

Eu estava preparada. Sabia as falas, tínhamos ensaiado tudo até a exaustão, o cenário estava lindo, a sonoplastia provavelmente funcionaria, e, acima de tudo, isso era uma coisa que eu faria com Zaca e por Zaca, meu melhor amigo e – por que não? – meu irmão.

Se tudo desse errado, riríamos daquilo num futuro não tão distante. Eu passara tanto tempo reclamando de ter que assumir esse papel que não parei para pensar no que ser a Julieta na peça do Zaca realmente significava: era uma posição de confiança.

Ele me escolheu porque sabia que eu era capaz de fazer qualquer coisa para ajudá-lo, pois ele mesmo tinha me ajudado mais vezes do que eu conseguia me lembrar.

Meu reflexo no espelho sorriu para mim. Eu tinha conseguido começar do zero longe da minha cidade natal, onde ninguém sabia o que eu tinha feito. Não tinha mais pesadelos com o incêndio, e amava as pessoas da minha nova vida.

Por isso prometi a mim mesma que, assim que a peça acabasse, diria a Lucas que para o bem de meu relacionamento com Natan, deveríamos nos afastar. Seria difícil, mas era o melhor a se fazer.

Uma vida nova, sem mentiras, sem segredos, sem que eu tivesse que esconder coisas das pessoas que eu gosto. Tudo estaria bem.

Eu só podia estar delirando, certo?

Eu, em uma vida sem problemas, com tudo nos conformes?

Você é muito engraçada, Valéria Corrêa.

Tive paz por dois minutos. Logo em seguida pude ouvir um burburinho se instaurando do lado de fora do camarim. Olhei para o relógio que estava na parede. Seis horas. A peça só começaria às sete em ponto. Não estávamos atrasados. O que estava acontecendo?

Zaca sabe. Mário contou a ele, uma voz que eu não consegui identificar falou perto da porta em que eu estava encostada.

Irrompi pelo batente, o elenco e a produção estavam parados no corredor, todos parecendo prestes a desmaiar.

Onde Há FumaçaWhere stories live. Discover now