36.2 | ou ❝exposta❞

612 77 9
                                    

Eu desviei os olhos para o rosto de Alan para ver se ele estava brincando. Não estava. Pisquei algumas vezes para confirmar, e não era mesmo brincadeira. Cogitei que, talvez, os eventos recentes levaram consigo a sanidade de Alan Jordan.

— Professor, como...?

— Primeiro, não me chame de professor. Somos amigos. E segundo, não responda agora. – ele não deixou que eu concluísse a minha tese de que a sugestão dele era um absurdo – Você está abalada pelos acontecimentos da sua vida e não está pensando direito. Mas está na hora de voltar para casa, Valéria, e mesmo que você não tivesse que responder um processo criminal em Viveiro, você sabe que é a coisa certa a se fazer.

— Eu concordo, sabe. – falou Lucas, e eu me assustei com a sua chegada repentina. Ava vinha logo atrás dele. Não sabia em que momento ele havia chegado ali, mas pude concluir que Ava o tinha chamado no instante em que se deu conta do que se tratava tudo aquilo. E, embora ela não fizesse ideia de profundidade das encalacrações com Nicholas e os investigadores, tomou a melhor decisão que podia ser tomada: trazer Lucas para perto de mim.

Ava era uma boa amiga. Para Zaca, e para mim. O que só me levava a um pensamento: era impressionante como eu conseguira reunir os amigos mais estranhos. O atacante popular da escola, a atriz careca e o professor de Sociologia. Ah, e o nerd suicida (embora ainda seja muito cedo para fazer graça disso).

— Não a conheço tão bem quanto os outros, mas ficou claro que depois de ver o encaracolado... – começou Ava, referindo-se aos cabelos de Nicholas.

— O outro Jordan. – acrescentou Lucas – Nicholas.

— Isso, o Nicholas, quem quer que seja... você não vai aguentar ficar aqui mais, Valéria. – finalizou ela, torcendo a barra do vestido – Eu vi nos seus olhos.

— Vocês não acham que só por causa de um showzinho de formatura de escola eu vou largar toda a minha vida aqui e simplesmente voltar para Viveiro, não é? Não é tão simples. – argumentei – Eu já fiz isso uma vez e não deu certo, e adivinhem? Não estou a fim de estragar tudo de novo.

— Você sabe que nunca chegou a se recuperar de tudo que aconteceu em Viveiro. – ponderou Lucas, agachando-se para me olhar nos olhos, já que eu estava sentada no chão me recuperando da queda de pressão – Você simplesmente fugiu, e fugir, ao contrário do que parece, não é um modo de lidar com as coisas.

— É um modo covarde de lidar com as coisas. – contrapus.

— Você está longe de ser covarde. – disse Ava, agachando-se ao lado de Lucas – Você é muito corajosa, Valéria. Só uma pessoa de coragem se postaria na frente da nata de Vitória e discursaria sobre tratamento psicológico para depressão.

Todos riram, ainda que soubessem que era verdade. Não era à toa eu estar completamente exausta e ter desmaiado: enfrentar a elite de Vitória e os demônios do passado na mesma noite não era pra qualquer um.

— Você tentou escrever uma história por cima de outra, – continuou Lucas, exercendo suas habilidades sobrenaturais de me compreender além de qualquer outro – e o seu passado veio atrás de você, justamente porque você nunca o deixou para trás.

Eu procurei nos olhos dele algum indício de que não estivesse falando sério. Esperei por alguns segundos, certa de que ele falaria algo do tipo a-quem-estou-enganando, e me proporia que eu deixasse tudo em Viveiro de lado, e ficasse em Vitória com ele.

Mas, se ele fizesse isso, não seria Lucas Avelar.

E se ele não fosse Lucas Avelar, eu não ouviria uma palavra do que ele estava dizendo.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora