19.2 | ou ❝joão, o putão❞

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Não conseguia parar de gritar as palavras eu não acredito.

Acho que nunca corri tão rápido na direção de outra pessoa na minha vida. Eu colidi diretamente com o passado contra o abraço de João Jordan.

Os braços de João me envolveram. Era um calor conhecido. Eu senti tanto a falta dele. Mas os braços que eu costumava conhecer não eram os mesmos.

João fora uma das vítimas em pior estado. Meu pai me dissera que ele tentou voltar para o prédio em chamas para me resgatar.

Esse pensamento me fez cair em lágrimas.

— Ei, não chora. — falou a voz calma de João perto do meu ouvido — Está tudo bem. Está tudo bem agora.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei, sem soltar do abraço dele. Minha voz ainda estava descontrolada — Onde está o Nick? E Dolores? Aconteceu alguma coisa?

— Se acalme. — pediu ele, e eu me distanciei, olhando para ele.

João estava bonito. Ele sempre havia sido. Todas as garotas da escola quase enlouqueceram quando ele e Nicholas apareceram na festa do Carlinhos, logo que se mudaram para Viveiro.

Seu cabelo preto, muito liso, estava rente à cabeça. Talvez ele tivesse perdido os cabelos no incêndio, e agora estavam crescendo de volta. Seus olhos castanhos eram emoldurados por sobrancelhas grossas. Seus braços estavam musculosos, e eu achava que ele tinha crescido uns dez centímetros.

Ele era um dos meus melhores amigos. Eu sempre precisei estar perto dele, desde o instante em que o conheci. Éramos cúmplices.

E eu o havia abandonado, como todo o resto.

— O que você está fazendo aqui? — repeti.

— Não sou eu quem deve explicações. — comentou ele ironicamente.

— Você também me deve. — engoli em seco — Quero saber como me encontrou.

— Sou João Jordan. — ele usava aquele tom brincalhão tão característico de pessoas como ele, que realmente acreditam que são incríveis, e que na maioria das vezes são mesmo. Tipo Lorena. — Não devo explicações a ninguém.

Eu não pude deixar de sorrir e voltar a abraçá-lo.

— Eu senti sua falta, João Putão. — sussurrei para ele, usando o antigo apelido. Quando ele e Dolores começaram a namorar, tínhamos suspendido seu uso por respeito a ela.

Não era como se ela estivesse por perto para ouvir.

— Val do Mal. — ele acariciou as minhas costas, também utilizando meu antigo apelido.

Uma onda de terror inundou o fundo do meu estômago ao ouvi-lo me chamar assim.

João Pedro Jordan estava em Vitória.

— Onde está o Nicholas? — perguntei novamente, minha voz rachando.

— Viveiro. Você não tem com o que se preocupar. — respondeu ele — Ele não faz ideia de que você está aqui.

— Como? — gaguejei, abismada, sem conseguir disfarçar que àquela altura eu já achava que a minha casa tinha caído — Então como você sabe?

— Seu pai. Mas ele só contou para mim, e eu não vou contar a ninguém.

Meu pai havia violado o nosso acordo de nunca revelar o meu paradeiro. E tinha feito isso por João, para ele.

Senti meu estômago revirar. Não conseguia imaginar as razões do meu pai para me dedurar, mas eu podia imaginar que ele só teria contado a verdade se a alternativa fosse muito, muito pior.

Eu não fazia ideia do que estava acontecendo em Viveiro, mas as cicatrizes no braço de João me davam um lembrete desagradável de que as consequências tinham sido mais fáceis para mim, que fugi.

— E você, o que faz aqui? — mudei de assunto. De repente, não estava mais interessada no que João tinha a dizer sobre Nicholas, Viveiro ou meu pai.

— Todas as pessoas na minha vida decidiram que eu estava sofrendo de estresse pós-traumático, e que umas férias me fariam muito bem. — explicou ele — Então, seu pai veio até mim e sugeriu que eu viesse visitar o primo Alan em Vitória.

— Estresse pós-traumático?

— Um punhado de pesadelos, é só. As pessoas exageram. — ele deu de ombros, mas desviou o olhar. Estava mentindo. Mordi o lábio e não disse nada. Não estava em posição de demandar honestidade. — De todo modo, eu não podia perder a oportunidade de não ter que ir para a escola por uns dias.

Respirei fundo, estranhando a naturalidade daquela interação.

Muita coisa tinha acontecido nos últimos meses. Não só para mim. Não pude deixar de notar que João não estava me fazendo nenhuma pergunta.

Ele não queria saber. Não revelaria o meu segredo, mas não queria se comprometer com a verdade. Além disso, ele sabia que eu tinha um bom número de segredos dele na minha manga também. Ele sabia que me devia.

Eu pisquei os olhos com força, me empurrando de volta para a realidade.

— Isso não explica como você sabe onde eu moro.

— Vim com um amigo. — disse João, apontando para uma caminhonete azul estacionada no final da minha rua.

A caminhonete azul de Lucas Avelar.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora