04.2 | ou ❝eu não te odeio❞

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Meu primeiro amor.

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— Quero de perguntar uma coisa. — Zaca anunciou, na nossa próxima sessão de filmes em casa. Tirei os olhos da televisão e o encarei. Ele se virou para mim. — O modo como você fala dos seus amigos, do seu pai... de Nicholas... — ele testou minha reação; eu não disse nada — Você os ama muito. Dá para perceber.

— Eu amo. — confirmei, sentindo meus olhos arderem.

— Por que você os deixou?

Foi como se ele tivesse jogado um balde de água gelada na minha cabeça.

Essa era a pergunta que eu jamais poderia responder. A pergunta que todos eles deviam estar se fazendo nesse momento. Por que eu fui embora?

— Para o bem deles. — conjecturei, em voz baixa, torcendo para que Zaca não tivesse ouvido. Era o mais próximo de uma confissão que eu já tinha feito desde que toda aquela história havia começado.

— Isso não é uma resposta. — Zaca acusou, e eu enterrei o rosto nas mãos.

Eu podia confiar em Zacarias Eifler, uma voz na minha cabeça me dizia.

Ele se importa comigo.

Ele perguntou.

Respirei fundo, acalmando meus nervos. Então, olhei no fundo dos olhos de Zacarias, analisando sua expressão. Ele tinha as sobrancelhas franzidas, o maxilar trancado. Zaca estava esperando por mim. Pelo meu voto de confiança.

Limpei a garganta, e as palavras saíram junto com as lágrimas.

— Houve um incêndio.

Contei a ele sobre o incêndio na Fundação Haroldo Santini, minha antiga escola. A instituição sem fins lucrativos, bancada pelo monopólio de uma empresa de produtos químicos que ficava em Viveiro, tinha sido consumida por chamas que ninguém sabia explicar como tinham começado.

Eu expliquei que, após o incêndio, eu precisei partir.

Contei que ninguém na cidade, à exceção do meu pai, sabia que eu estava em Vitória, morando com a minha mãe. Eu disse a Zaca que eu gostaria que as coisas continuassem assim.

Zaca estava de sobrancelhas em pé quando eu terminei de contar a ele toda a verdade.

— Isso é loucura. — disse ele, levando as mãos à boca — E explica muita coisa.

— Eu prefiro conviver com o seu pai do que com as consequências daquela noite. — confessei, enxugando as lágrimas com a manga da minha blusa — Eu só queria uma vida nova. Por isso estou aqui.

— Você fugiu. Seus amigos nunca vão te perdoar por isso. — ele me entregou uma verdade muito, muito dura.

— Eles não vão precisar me perdoar por nada se nunca souberem a verdade. — argumentei, cansada — Eu posso viver com isso. Com esse segredo. Eu posso sofrer, para que eles não precisem.

Como se tivesse se tocado de algo importante, Zaca se empertigou.

— O Professor Alan tem o mesmo sobrenome que Nicholas. — ele me olhou de soslaio — E ficou muito empolgado quando soube que teria uma aluna de Viveiro em sua classe.

Eu sorri para ele. Ele estava me protegendo.

Protegendo meu segredo, mesmo depois de saber a verdade.

Meu coração se encheu de afeto por Zacarias Eifler.

— Ele não vai dizer nada. Se ele fosse me expor, já teria feito isso. Eu estou aqui há meses, e ninguém veio atrás de mim.

Zaca e eu nos calamos por um momento, deixando toda aquela história assentar.

— Eu só desapareci para proteger as pessoas que amo. Você acredita nisso?

Ele não me respondeu.

— Você vai me entregar para o seu pai e a minha mãe? — perguntei, vacilante. Eu confiava nele, mas eu precisava saber.

— Não. — eu soltei a respiração, me sentindo infinitamente mais leve. Zaca se apressou em emendar: — Mas não vou te proteger se essa história vazar.

— Eu não te pediria isso.

Novamente, ficamos em silêncio, encarando o filme que passava na televisão, que estava muda. Eu esperei para que a certeza de que eu tinha cometido um erro me atingisse, mas isso não aconteceu.

Após alguns minutos, Zaca falou:

— Eu sei que você não gosta do meu pai. — ponderou — Que, se dependesse de você, nós nunca a veríamos. Sei que preferia estar em Viveiro com a sua família de verdade, e com seus amigos. Mas eu queria te dizer que... bem... eu não te odeio. Na verdade, eu gosto de ter você por perto. Não quero forçar um relacionamento de irmãos, nem te pediria para que me enxergasse dessa forma, mas... você pode contar comigo. Você passou por muita coisa nos últimos meses. Eu não concordo com suas atitudes, mas estou aqui para você.

Não consegui pensar em nada realmente bom para dizer.

Ele não me entregaria para os nossos pais. Guardaria meu segredo, e estava me oferecendo uma amizade. O modo como ele falava, e como ele ouvia, me dizia que eu estava segura com Zacarias.

Eu precisava de amigos. E eu gostava dele. De verdade.

Ao concluir isso, murmurei:

— Eu não te odeio, Zaca. Eu não te odeio.

Onde Há FumaçaWhere stories live. Discover now