07.2 | ou ❝mentir ou omitir, porém mentir❞

2.1K 228 36
                                    

Lorena me ligou assim que a aula acabou, sob o argumento de que estava em um "acesso irrefreável de tédio profundo", e precisava que eu aceitasse o seu convite de repaginar o meu closet.

Acabei convidando-a para passar na minha casa, esclarecendo que não podíamos perder muito tempo, pois eu tinha lição de casa acumulada e minhas tarefas de casa para cumprir. Minha mãe se recusava a ter empregados. Ela queria que nós todos aprendêssemos a nos virar.

Como se eu precisasse aprender alguma coisa, tendo morado sozinha com meu pai por doze anos.

Lorena chegou cinco minutos depois de mim, e assim que entrou em meu quarto, abriu imediatamente a porta do meu closet, e começou a avaliar (leia-se desdenhar) todas as minhas roupas. Já havia uma boa parte delas no chão quando eu me manifestei:

— Essa não. — andei até Lorena e tirei o cabide com a minha camiseta do Metallica das mãos dela. Ela se enfureceu, mas se recuperou rápido.

— Sua mãe é estilista. — falou — Você não precisa se vestir como uma sem teto.

Eu a ignorei, e ela caminhou barulhentamente sobre as botas de salto até o outro lado do meu quarto, conferindo com o olhar cada detalhe da decoração. O conjunto pareceu agradá-la, pois ela só franziu o nariz para o único item que não tinha sido adquirido para minha mãe: um abajur que o tio Edu comprou pra mim em uma feita de antiguidades em São Paulo.

O olhar de Lorena se fixou no meu painel de fotos. Ela se deteve por um segundo, fitando a imagem de Nicholas tocando violão.

— Vai, pergunta. — eu autorizei.

— Quem é esse garoto de cabelo cacheado na foto?

— Esse é o Nicholas. — disse, simplesmente. Não estava pronta para falar sobre ele com ela.

— Você nunca o mencionou. Tem tipo, umas mil fotos de vocês dois juntos. — ela passou os dedos pela foto — É o garoto que você ia encontrar no Starbucks?

Eu só sacodi a cabeça. Não mesmo.

— Você disse que não se importa se eu não quiser contar as coisas, contanto que eu não minta. — lembrei-a.

— Justo. — Lorena deixou o assunto se lado, focando em uma foto em que eu, Nicholas, Dolores e João estávamos na entrada na casa dos meninos em Viveiro, vestidos para a Festa Junina da Fundação. — Quem é esse outro? O moreno do lado da garota branquela. É um gato. — ela me deu uma piscadinha — Não temos nada desse material aqui em Vitória.

— É o irmão dele, João Pedro. — respondi, rindo do comentário de Lorena As garotas da minha antiga escola também achavam isso.

Lorena acenou com a cabeça e virou de costas, analisando outros elementos do meu quarto. Ela abriu a gaveta da escrivaninha, onde eu guardava as cartas que eu escrevia para Nicholas. Pude ver seus olhos baixando para o nome dele em letras garrafais.

Ela me olhou, procurando uma reação. Eu não gostava de tratar Nicholas como um assunto que não deveria ser mencionado. Uma película de lágrimas se formava em meus olhos.

Lorena fechou a gaveta abruptamente, veio até mim e me segurou pelos braços, me sacudindo de leve.

—Nem pense em sentir saudade desses fracassados. — ela apontava para as fotos no meu painel — Nem pense em chorar por esse garoto esquisito. Você é minha amiga agora! Não precisa de mais ninguém.

Eu sorri para ela.

— Você me lembra uma pessoa... que também se acha o centro do mundo. — falei, flertando perigosamente com o ego de Lorena. Era justamente o tipo de coisa que o João Pedro Jordan diria. Eles se dariam bem.

Lorena sendo Lorena, já estava entediada com toda aquela conversa sobre outras pessoas. Sem perceber meu insulto, ela mudou bruscamente de assunto.

— Então, eu estava pensando que nós nunca fomos a uma festa juntas e você não conhece o meu namorado. — eu endireitei a postura, sem dizer nada, torcendo para que ela não notasse a minha rigidez — Vai ter uma festa no sábado, na casa do Lucas. Você precisa estar lá.

Uma festa na casa de Lucas.

O mesmo Lucas que me dispensou no sábado pois tinha "compromisso".

Quando na verdade estava dando uma festa, à qual eu não podia comparecer sem desmascarar todas as mentiras dele. Ou ele não me achava boa o bastante para estar em uma festa com seus amigos mauricinhos de Vitória.

— Lola, acho que não consigo ir. — embolei, tentando manter a calma. O que era difícil, considerando que eu estava vendo tudo vermelho de ódio. — Com Zaca doente e tudo mais.

— Por favor, seu irmãozinho já está bem. — ela me dispensou com um aceno. Era muito difícil dizer não a Lorena Dante — Ele já está exercendo regularmente suas funções de nerd fracassado, como o de costume.

— Lorena, eu apreciaria se você parasse de se referir a todos os meus amigos como fracassados. — censurei, um tanto ofendida.

— É a mais pura verdade. Ele e Andressa passaram a noite toda tagarelando no telefone sobre uma estúpida Mostra Científica de semana que vem. — falou se justificou, e eu tive que concordar.

Pessoalmente, eu não achava que Zaca estava pronto para voltar à vida acadêmica trabalhando intensamente. Mas Lorena estava certa. Eu também os tinha ouvido, até as primeiras horas do dia, falando sobre a Exposição de Chatices e Bizarrices, de amanhã, e a Mostra Científica de Coisas que Ninguém Precisa Saber, da semana seguinte.

Um estalo de dedos de Lorena na minha frente me despertou.

— Desculpe-me se eu ofendi a casta social dos geeks jogadores de Super Mario e obcecados pelas próprias notas. — disse ela, tirando uma mecha de cabelo do rosto, e me olhando manipuladoramente — Estou esperando, Val. A festa. Confirme sua presença.

Ela cruzou os braços e começou a bater o pé esquerdo, gerando um barulho tão irritante que não raciocinei antes de dizer:

— Se eu disser que vou a essa festa, você vai embora?

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora