IV : REVELAÇÃO

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Apenas Álvaro, com a chegada dos seus companheiros, viu-se livre dos inimigos que o atacavam, voltou a Peri, que assistia imóvel a toda esta cena.

– Vinde! disse o moço com autoridade.

– Não! respondeu o índio friamente.

– Tua senhora te chama!

Peri abaixou a cabeça com uma profunda tristeza.

– Dize à senhora que Peri deve morrer; que vai morrer por ela. E tu parte, porque senão seria tarde.

Álvaro olhou a fisionomia inteligente do índio para ver se descobria nela algum sinal de perturbação de espírito; porque o moço não compreendia, nem podia compreender a causa dessa obstinação insensata.

O rosto de Peri, calmo e sereno, não lhe deixou ver senão uma resolução firme, inabalável, tanto mais profunda quanto se mostrava sob uma aparência de sossego e tranqüilidade.

– Assim, tu não obedeces à tua senhora?

Peri custou a arrancar a palavra dos lábios.

– A ninguém.

Quando pronunciava esta palavra, um grito fraco soou ao lado dele; voltando-se viu a índia que lhe haviam destinado por esposa caindo atravessada por uma flecha. O tiro fora destinado a Peri por um dos selvagens; e a menina lançando-se para cobrir o corpo daquele que amara uma hora, recebera a seta no peito.

Seus olhos negros, desmaiados pelas sombras da morte, volveram a Peri um último olhar; e cerrando tornaram a abrir-se já sem vida e sem brilho. Peri sentiu um movimento de piedade e simpatia vendo essa vitima de sua dedicação, que como ele sacrificava sem hesitar a sua existência para salvar aquele a quem amava.

Álvaro nem se apercebeu do que acabava de passar; lançando um olhar para seus homens que batiam-se valentemente com os Aimorés fez um aceno a Aires Gomes.

– Escuta, Peri; tu sabes se costumo cumprir a minha palavra; jurei a Cecília levar-te; e ou tu me acompanhas, ou morreremos todos neste lagar.

– Faze o que quiseres! Peri não sairá daqui.

– Vês estes homens?... são os únicos defensores que restam à tua senhora; se todos eles morrem, bem sabes que é impossível que ela se salve.

Peri estremeceu. Ficou um momento pensativo; depois sem dar tempo a que o seguissem, lançou-se entre as árvores.

D. Antônio de Mariz e sua família, tendo ouvido os tiros de arcabuzes, esperavam com ansiedade o resultado da expedição.

Dez minutos haviam decorrido na maior impaciência, quando sentiram tocar na porta e ouviram a voz de Peri; Cecília correu, e o índio ajoelhou-se a seus pés pedindo-lhe perdão. O fidalgo, livre do pesar de perder um amigo, assumira a sua costumada severidade, como sempre que se tratava de uma falta grave.

– Cometeste uma grande imprudência, disse ele ao índio; fizeste sofrer teus amigos; expuseste a vida daqueles que te amam; não precisas de outra punição além desta.

– Peri ia salvar-te!

– Entregando-te nas mãos do inimigo?

– Sim!

– Fazendo-te matar por eles?

– Matar e...

– Mas qual era o resultado dessa loucura?

O índio calou-se.

– É preciso explicares-te, para que não julguemos que o amigo inteligente e dedicado de outrora tornou-se um louco e um rebelde.

O Guarani (1857)Where stories live. Discover now