Apenas Álvaro, com a chegada dos seus companheiros, viu-se livre dos inimigos que o atacavam, voltou a Peri, que assistia imóvel a toda esta cena.
– Vinde! disse o moço com autoridade.
– Não! respondeu o índio friamente.
– Tua senhora te chama!
Peri abaixou a cabeça com uma profunda tristeza.
– Dize à senhora que Peri deve morrer; que vai morrer por ela. E tu parte, porque senão seria tarde.
Álvaro olhou a fisionomia inteligente do índio para ver se descobria nela algum sinal de perturbação de espírito; porque o moço não compreendia, nem podia compreender a causa dessa obstinação insensata.
O rosto de Peri, calmo e sereno, não lhe deixou ver senão uma resolução firme, inabalável, tanto mais profunda quanto se mostrava sob uma aparência de sossego e tranqüilidade.
– Assim, tu não obedeces à tua senhora?
Peri custou a arrancar a palavra dos lábios.
– A ninguém.
Quando pronunciava esta palavra, um grito fraco soou ao lado dele; voltando-se viu a índia que lhe haviam destinado por esposa caindo atravessada por uma flecha. O tiro fora destinado a Peri por um dos selvagens; e a menina lançando-se para cobrir o corpo daquele que amara uma hora, recebera a seta no peito.
Seus olhos negros, desmaiados pelas sombras da morte, volveram a Peri um último olhar; e cerrando tornaram a abrir-se já sem vida e sem brilho. Peri sentiu um movimento de piedade e simpatia vendo essa vitima de sua dedicação, que como ele sacrificava sem hesitar a sua existência para salvar aquele a quem amava.
Álvaro nem se apercebeu do que acabava de passar; lançando um olhar para seus homens que batiam-se valentemente com os Aimorés fez um aceno a Aires Gomes.
– Escuta, Peri; tu sabes se costumo cumprir a minha palavra; jurei a Cecília levar-te; e ou tu me acompanhas, ou morreremos todos neste lagar.
– Faze o que quiseres! Peri não sairá daqui.
– Vês estes homens?... são os únicos defensores que restam à tua senhora; se todos eles morrem, bem sabes que é impossível que ela se salve.
Peri estremeceu. Ficou um momento pensativo; depois sem dar tempo a que o seguissem, lançou-se entre as árvores.
D. Antônio de Mariz e sua família, tendo ouvido os tiros de arcabuzes, esperavam com ansiedade o resultado da expedição.
Dez minutos haviam decorrido na maior impaciência, quando sentiram tocar na porta e ouviram a voz de Peri; Cecília correu, e o índio ajoelhou-se a seus pés pedindo-lhe perdão. O fidalgo, livre do pesar de perder um amigo, assumira a sua costumada severidade, como sempre que se tratava de uma falta grave.
– Cometeste uma grande imprudência, disse ele ao índio; fizeste sofrer teus amigos; expuseste a vida daqueles que te amam; não precisas de outra punição além desta.
– Peri ia salvar-te!
– Entregando-te nas mãos do inimigo?
– Sim!
– Fazendo-te matar por eles?
– Matar e...
– Mas qual era o resultado dessa loucura?
O índio calou-se.
– É preciso explicares-te, para que não julguemos que o amigo inteligente e dedicado de outrora tornou-se um louco e um rebelde.