XI : TRAVESSURA

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Na tarde desse mesmo domingo em que tantos acontecimentos se tinham passado, Cecília e Isabel saiam do jardim com o braço na cintura uma da outra.

Estavam vestidas branco; lindas ambas, mas tinha cada uma diversa beleza; Cecília era a graça; Isabel era a paixão; os olhos azuis de uma brincavam; os olhos negros da outra brilhavam.

O sorriso de Cecília, parecia uma gota de mel e perfume que destilavam os seus lábios mimosos; o sorriso de Isabel era como um beijo ideal, que fugia-lhe da boca e ia rogar com as suas asas a alma daqueles que a contemplavam.

Vendo aquela menina loura, tão graciosa e gentil, o pensamento elevava-se naturalmente ao céu, despia-se do invólucro material e lembrava-se dos anjinhos de Deus.

Admirando aquela moça morena, lânguida e voluptuosa, o espírito apegava-se à terra; esquecia o anjo pela mulher; em vez do paraíso, lembrava-lhe algum retiro encantador, onde a vida fosse um breve sonho.

No momento em que saiam do jardim, Cecília, olhava sua prima com um certo arzinho malicioso, que fazia prever alguma travessura das que costumava praticar.

Isabel, ainda impressionada pela cena da manhã, tinha os olhos baixos; parecia-lhe, depois do que se havia passado, que todos, e principalmente Álvaro, iam ler o seu segredo guardado por tanto tempo no fundo de sua alma.

Entretanto sentia-se feliz; uma esperança vaga e indefinida dilatava-lhe o coração e dava à sua fisionomia a expressão de júbilo, expansão da criatura quando acredita ser amada, auréola brilhante que bem se podia chamar a alma do amor.

O que esperava ela? Não sabia; mas o ar lhe parecia mais perfumado, a luz mais brilhante, o olhar via os objetos cor-de-rosa, e o leve roçar da espiguilha do vestido no seu colo aveludado causava-lhe sensações voluptuosas.

Cecília com o misterioso instinto da mulher adivinhava, sem compreender, que alguma coisa de extraordinário se passava em sua prima; e admirava a irradiação de beleza que brilhava no seu moreno semblante.

– Como estás bonita! disse a menina de repente.

E conchegando a face de Isabel aos lábios, imprimiu nela um beijo suave; a moça respondeu afetuosamente à carícia de sua prima.

– Não trouxeste o teu bracelete? exclamou ela reparando no braço de Cecília.

– É verdade! replicou a menina com um gesto de enfado.

Isabel julgou que este gesto era produzido pelo esquecimento; mas a verdadeira causa foi o receio que teve Cecília de se trair.

– Vamos buscá-lo?

– Oh! não! ficaria tarde, e perderíamos o nosso passeio.

– Então devo tirar o meu; já não estamos irmãs.

– Não importa; quando voltarmos prometo-te que ficaremos bem irmãs.

Dizendo isto Cecília sorria maliciosamente.

Tinham chegado à frente da casa. D. Lauriana conversava com seu filho D. Diogo, enquanto D. Antônio de Mariz e Álvaro passeavam pela esplanada conversando.

Cecília se dirigiu ao pai, levando Isabel, que ao aproximar-se do jovem cavalheiro sentiu fugir-lhe a vida.

– Meu pai, disse a menina, nós queremos dar um passeio.

A tarde está tão linda! Se eu vos pedisse e ao Sr. Álvaro para que nos acompanhassem?

– Nós faríamos como sempre que tu pedes, respondeu o fidalgo galanteando; cumpriríamos a tua ordem.

O Guarani (1857)Where stories live. Discover now