Tornemos ao lugar onde deixamos Loredano e seus dois companheiros.
O italiano depois que Álvaro e Peri se afastaram, levantou-se; passada a primeira emoção, sentira um acesso de raiva e desespero por lhe escaparem os seus inimigos.
Um instante lembrou-se de chamar os cúmplices para atacar o cavalheiro e o índio; mas essa idéia desvaneceu-se logo; o aventureiro conhecia os homens que o seguiam; sabia que podia fazer deles assassinos, mas nunca homens de energia e resolução.
Ora, os dois inimigos que tinha a combater, eram respeitáveis; e Loredano temeu comprometer ainda mais a sua causa, já muito mal parada. Devorou pois em silêncio a sua raiva, e começou a refletir nos meios de sair da posição difícil em que se achava.
Neste meio tempo Rui Soeiro e Bento Simões vinham-se aproximando receosos do que tinham visto, e temendo o menor incidente que complicasse a situação.
Loredano e seus companheiros olharam-se em silêncio um momento; havia nos olhos destes últimos uma interrogação muda e inquieta, a que respondia perfeitamente o rosto pálido e contraído do italiano.
– Não era ele!... murmurou o aventureiro com a voz surda.
– Como sabeis?
– Se fosse, acreditais que me deixasse a vida?
– É verdade; mas quem foi então?
– Não sei; porém agora pouco importa. Quem quer que fosse, é um homem que sabe o nosso segredo e pode denunciá-lo, se já não o fez.
– Um homem?... murmurou Bento Simões que até então se conservava silencioso.
– Sim; um homem. Quereis que fosse uma sombra?
– Uma sombra não, mas um espírito! acudiu o aventureiro.
O italiano sorriu de escárnio.
– Os espíritos têm mais que fazer para se ocuparem com o que vai por este mundo; guardai as vossas abusões, e pensemos seriamente no partido que devemos tomar.
– Lá quanto a isso, Loredano, é escusado; ninguém me tira que anda em tudo isto uma coisa sobrenatural.
– Quereis calar-vos, estúpido carola! replicou o italiano com impaciência.
– Estúpido!... Estúpido sois vós que não vistes que não há ouvido de criatura que pudesse ouvir as nossas palavras, nem voz humana que saia da terra. Vinde! E vou mostrar-vos se o que digo é ou não é verdade.
Os dois acompanharam Bento Simões e voltaram à touça de cardos, onde tivera lugar a sua entrevista.
– Ide, Rui e falai à goela despregada para ver se Loredano ouve uma palavra sequer.
Com efeito a experiência mostrou-lhes o que Peri tinha conhecido; que o som da voz entaipado dentro daquela espécie de tubo, se elevava e perdia no ar, sem que dos lados se pudesse perceber a menor frase. Se porém o italiano se tivesse colocado sobre o formigueiro que penetrava até ao chão onde há pouco estavam sentados, teria tido a explicação da cena anterior.
– Agora, disse Bento Simões, entrai; eu gritarei e vereis que a palavra vos passará pela cabeça e não sairá da terra.
– Quanto a isso pouco se me dá, respondeu o italiano. A outra observação, sim, tranqüiliza-me. O homem que nos ameaçou não ouviu; desconfia apenas.
– Ainda insistis em que fosse um homem?
– Escutai, amigo Bento Simões; há uma coisa de que tenho mais medo do que de uma cobra; é de um homem visionário.