Eram onze horas da noite.
O silêncio reinava na habitação e seus arredores; tudo estava tranqüilo e sereno. Algumas estrelas brilhavam no céu; os sopros escassos da viração sussurravam na folhagem.
Os dois homens de vigia, apoiados ao arcabuz e reclinados sobre o alcantil, sondavam a sombra espessa que se estendia pela aba do rochedo.
O vulto majestoso de D. Antônio de Mariz passou lentamente pela esplanada, e desapareceu no canto da casa. O fidalgo fazia sua ronda noturna, como um general na véspera de uma batalha.
Passados alguns momentos ouviu-se cantar uma coruja no vale, junto da escada de pedra; um dos vigias abaixou-se, e tomando dois pequenos seixos deixou-os cair um depois do outro.
O som fraco que produziu a queda das pedras sobre o arvoredo da várzea foi quase imperceptível; seria difícil distingui-lo do rumor do vento nas folhas.
Um instante depois um vulto subiu ligeiramente a escada, e reuniu-se aos dois homens que faziam a guarda noturna::
– Tudo está pronto?
– Só esperamos por vós.
– Vamos! Não há tempo a perder.
Trocadas estas palavras rapidamente entre o que chegava e um dos vigias, os três encaminharam-se com todas as precauções para a alpendrada em que habitava a banda dos aventureiros.
Aí, como no resto da casa, tudo estava calmo e tranqüilo; apenas via-se luzir na soleira da porta do aposento de Aires Gomes a claridade de uma luz.
Um dos três chegou-se à entrada do alpendre, e esgueirando-se pela parede perdeu-se na escuridão que havia no interior.
Os outros dois se dirigiam ao fim da casa, e ai ocultos pela sombra e pelo ângulo que formava um largo pilar do edifício, começaram um diálogo breve e rápido.
– Quantos são? perguntou o homem que chegara.
– Vinte ao todo.
– Restam-nos?
– Dezenove.
– Bem. A senha?.
– Prata.
– E o fogo?
– Pronto.
– Aonde?
– Nos quatro cantos.
– Quantos sobram?
– Dois apenas.
– Seremos nós.
– Precisais de mim?
– Sim.
Houve uma pequena pausa, em que um dos aventureiros parecia refletir profundamente enquanto o outro esperava; por fim o primeiro ergueu a cabeça:
– Rui, vós me sois dedicado?
– Dei-vos a prova.
– Preciso de um amigo fiel.
– Contai comigo.
– Obrigado.
O desconhecido apertou a mão de seu companheiro.
– Sabeis que amo uma mulher?
– Vós mo dissestes.
– Sabeis que é mais por essa mulher do que por este tesouro fabuloso que concebi esse plano horrível?