III : VERME E FLOR

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Eram onze horas da noite.

O silêncio reinava na habitação e seus arredores; tudo estava tranqüilo e sereno. Algumas estrelas brilhavam no céu; os sopros escassos da viração sussurravam na folhagem.

Os dois homens de vigia, apoiados ao arcabuz e reclinados sobre o alcantil, sondavam a sombra espessa que se estendia pela aba do rochedo.

O vulto majestoso de D. Antônio de Mariz passou lentamente pela esplanada, e desapareceu no canto da casa. O fidalgo fazia sua ronda noturna, como um general na véspera de uma batalha.

Passados alguns momentos ouviu-se cantar uma coruja no vale, junto da escada de pedra; um dos vigias abaixou-se, e tomando dois pequenos seixos deixou-os cair um depois do outro.

O som fraco que produziu a queda das pedras sobre o arvoredo da várzea foi quase imperceptível; seria difícil distingui-lo do rumor do vento nas folhas.

Um instante depois um vulto subiu ligeiramente a escada, e reuniu-se aos dois homens que faziam a guarda noturna::

– Tudo está pronto?

– Só esperamos por vós.

– Vamos! Não há tempo a perder.

Trocadas estas palavras rapidamente entre o que chegava e um dos vigias, os três encaminharam-se com todas as precauções para a alpendrada em que habitava a banda dos aventureiros.

Aí, como no resto da casa, tudo estava calmo e tranqüilo; apenas via-se luzir na soleira da porta do aposento de Aires Gomes a claridade de uma luz.

Um dos três chegou-se à entrada do alpendre, e esgueirando-se pela parede perdeu-se na escuridão que havia no interior.

Os outros dois se dirigiam ao fim da casa, e ai ocultos pela sombra e pelo ângulo que formava um largo pilar do edifício, começaram um diálogo breve e rápido.

– Quantos são? perguntou o homem que chegara.

– Vinte ao todo.

– Restam-nos?

– Dezenove.

– Bem. A senha?.

– Prata.

– E o fogo?

– Pronto.

– Aonde?

– Nos quatro cantos.

– Quantos sobram?

– Dois apenas.

– Seremos nós.

– Precisais de mim?

– Sim.

Houve uma pequena pausa, em que um dos aventureiros parecia refletir profundamente enquanto o outro esperava; por fim o primeiro ergueu a cabeça:

– Rui, vós me sois dedicado?

– Dei-vos a prova.

– Preciso de um amigo fiel.

– Contai comigo.

– Obrigado.

O desconhecido apertou a mão de seu companheiro.

– Sabeis que amo uma mulher?

– Vós mo dissestes.

– Sabeis que é mais por essa mulher do que por este tesouro fabuloso que concebi esse plano horrível?

O Guarani (1857)Where stories live. Discover now