No dia seguinte, ao raiar da manhã, Cecília abriu a portinha do jardim e aproximou-se da cerca.
– Peri! disse ela.
O índio apareceu à entrada da cabana; correu alegre, mas tímido e submisso.
Cecília sentou-se num banco de relva; e a muito custo conseguiu tomar um arzinho de severidade, que de vez em quando quase traia-se por um sorriso teimoso que lhe queria fugir dos lábios.
Fitou um momento no índio os seus grandes olhos azuis com uma expressão de doce repreensão; depois disse-lhe em um tom mais de queixa do que de rigor:
– Estou muito zangada com Peri!
O semblante do selvagem anuviou-se.
– Tu, senhora, zangada com Peri! Por quê?
– Porque Peri é mau e ingrato; em vez de ficar perto de sua senhora, vai caçar em risco de morrer! disse a moça ressentida.
– Ceci desejou ver uma onça viva!
– Então não posso gracejar? Basta que eu deseje uma coisa para que tu corras atrás dela como um louco?
– Quando Ceci acha bonita uma flor, Peri não vai buscar? perguntou o índio.
– Vai, sim.
– Quando Ceci ouve cantar o sofrer, Peri não o vai procurar?
– Que tem isso?
– Pois Ceci desejou ver uma onça, Peri a foi buscar.
Cecília não pôde reprimir um sorriso ouvindo esse silogismo rude, a que a linguagem singela e concisa do índio dava uma certa poesia e originalidade.
Mas estava resolvida a conservar a sua severidade, e ralhar com Peri por causa do susto que lhe havia feito na véspera.
– Isto não é razão, continuou ela; porventura um animal feroz é a mesma coisa que um pássaro, e apanha-se como uma flor?
– Tudo é o mesmo, desde que te causa prazer, senhora.
– Mas então, exclamou a menina com um assomo de impaciência, se eu te pedisse aquela nuvem?...
E apontou para os brancos vapores que passavam ainda envolvidos nas sombras pálidas da noite.
– Peri ia buscar.
– A nuvem? perguntou a moça admirada.
– Sim, a nuvem.
Cecília pensou que o índio tinha perdido a cabeça; ele continuou:
– Somente como a nuvem não é da terra e o homem não pode tocá-la, Peri morria e ia pedir ao Senhor do céu a nuvem para dar a Ceci.
Estas palavras foram ditas com a simplicidade com que fala o coração.
A menina que um momento duvidara da razão de Peri, compreendeu toda a sublime abnegação, toda a delicadeza de sentimento dessa alma inculta.
A sua fingida severidade não pôde mais resistir; deixou pairar nos seus lábios um sorriso divino.
– Obrigada, meu bom Peri! Tu és um amigo dedicado; mas não quero que arrisques tua vida para satisfazer um capricho meu; e sim que a conserves para me defenderes como já fizeste uma vez.
– Senhora, não está mais zangada com Peri?
– Não; apesar de que devia estar; porque Peri ontem fez sua senhora afligir-se cuidando que ele ia morrer.