IX : ESPERANÇA

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Sentando-se junto da moça, Álvaro sentiu a sua coragem vacilar.

– Que me quereis, Isabel? perguntou ele com a voz um pouco trêmula.

A menina não respondeu; estava embebida a contemplar o moço; saciava-se de olhá-lo, de senti-lo junto de si, depois de ter sofrido a angústia de ver a morte rogando a sua cabeça e ameaçando a sua vida.

É preciso amar para compreender essa voluptuosidade do olhar que se repousa sobre o objeto amado, que não se cansa de ver aquilo que está impresso na imaginação, mas que tem sempre um novo encanto.

– Deixai-me olhar-vos! respondeu Isabel suplicando. Quem sabe! Talvez seja pela última vez!

– Por que essas idéias tristes? disse Álvaro com brandura. A esperança ainda não está de todo perdida.

– Que importa?... exclamou a moça. Ainda há pouco vos vi de longe que passeáveis sobre a esplanada, e a cada momento me parecia que uma seta vos tocava, vos feria e...

– Como?... Tivestes a imprudência de abrir a janela?

O moço voltou-se; e estremeceu vendo a janela entreaberta, crivada da parte exterior pelas setas dos selvagens.

– Meu Deus!... exclamou ele; por que expondes assim a vossa vida, Isabel?...

– Que vale a minha vida, para que a conserve? disse a moça animando-se. Tem ela algum prazer, alguma ventura, que me prenda? De que serviria a existência se não fosse para satisfazer um impulso de nossa alma? A minha felicidade é acompanhar-vos com os olhos e com o pensamento. Se esta felicidade me deve custar a vida, embora!...

– Não faleis assim, Isabel, que me partis a alma.

– E como quereis que fale? Mentir-vos é impossível; depois daquele dia, em que trai o meu segredo, de escravo que ele era tornou-se senhor, senhor despótico e absoluto. Sei que vos faço sofrer...

– Nunca disse semelhante coisa!

– Sois bastante generoso para dizê-lo, mas sentis. Eu conheço, eu leio nos vossos menores movimentos. Vós me estimais talvez como irmão, mas fugis de mim, e tendes receio que Cecília pense que me amais; não é verdade?

– Não, exclamou Álvaro insensivelmente; tenho receio, tenho medo... mas é de amar-vos!

Isabel sentiu uma comoção tão violenta ouvindo as palavras rápidas do moço, que ficou como estática sem fazer um movimento; as palpitações fortes do seu coração a sufocavam.

Álvaro não estava menos comovido; subjugado por aquele amor ardente, impressionado pela abnegação da menina que expunha sua vida só para acompanhá-lo de longe com um olhar e protegê-lo com a sua solicitude, tinha deixado escapar o segredo da luta que se passava em sua alma.

Mas apenas pronunciara aquelas palavras imprudentes, conseguiu dominar-se, e tornando-se frio e reservado, falou a Isabel em um tom grave.

– Sabeis que amo Cecília; mas ignorais que prometi a seu pai ser seu marido. Enquanto ele por sua livre vontade não me desligar de minha promessa, estou obrigado a cumpri-la. Quanto ao meu amor, este me pertence, e só a morte me pode desligar dele. No dia em que eu amasse outra mulher que não ela, me condenaria a mim mesmo como um homem desleal.

O moço voltou-se para Isabel com um triste sorriso:

– E compreendeis o que faz um homem desleal que tem ainda a consciência precisa para se julgar a si?

Os olhos da moça brilharam com um fogo sinistro:

– Oh! compreendo!... É o mesmo que faz a mulher que ama sem esperança, e cujo amor é um insulto ou um sofrimento para aquele a quem ama!

O Guarani (1857)Where stories live. Discover now