– Visionário! dizei crente!
– Um vale outro. Visionário ou crente, se me falais outra vez em espíritos e milagres, prometo-vos que ficareis neste lugar onde servireis de carniça aos urubus.
O aventureiro tornou-se esverdinhado; não era a idéia da morte e sim da pena eterna que segundo uma crença religiosa, sofrem as almas cujos corpos ficam insepultos, o que mais o horrorizava.
– Pensastes?
– Sim.
– Admitis que fosse um homem?
– Admito tudo.
– Jurais.
– Juro.
– Sobre...
– Sobre a minha salvação.
O italiano soltou o braço do miserável, que caiu de joelhos pedindo ao Deus que ofendia perdão para o perjúrio que acabava de cometer.
Rui Soeiro voltou: os três seguiram calados o caminho que tinham feito, Loredano pensativo, seus companheiros cabisbaixos.
Sentaram-se à sombra de uma árvore; ai permaneceram quase uma hora, sem saber o que deviam fazer, nem o que podiam esperar. A posição era critica, reconheciam que se achavam num desses lances da vida, em que um passo, um movimento, precipita o homem no fundo do abismo, ou o salva da morte que vai cair sobre ele.
Loredano media a situação com a audácia e energia que nunca o abandonava nas ocasiões extremas; uma lata violenta se travara neste homem; só tinha agora um sentimento, uma fibra; era a sede ardente do gozo, sensualidade exacerbada pelo ascetismo do claustro e o isolamento do deserto. Comprimida desde a infância, a sua organização se expandira com veemência no meio deste pais vigoroso, aos raios do sol ardente que fazia borbulhar o sangue.
Então, no delírio dos instintos materiais, surgiram duas paixões violentas.
Uma era a paixão do ouro; a esperança de poder um dia deleitar-se na contemplação do tesouro fabuloso que como Tântalo ele ia tocar e fugia-lhe.
A outra era paixão do amor; a febre que lhe requeimava o sangue quando via aquela menina inocente e cândida, que parecia não dever inspirar senão afeições castas.
A lata que naquele momento o agitava, dava-se entre essas duas paixões. Devia fugir e salvar o seu tesouro, perdendo Cecília? Devia ficar e arriscar a vida para saciar o seu desejo infrene?
As vezes dizia consigo que bastava-lhe a riqueza para poder escolher no mundo uma mulher que amasse; outras parecia-lhe que o universo inteiro sem Cecília ficaria deserto, e inútil lhe seria todo o ouro que ia conquistar.
Por fim ergueu a cabeça. Seus companheiros esperavam uma palavra sua como o oráculo do seu destino; prepararam-se para ouvi-lo.
– Só há duas coisas a fazer, ou entrarmos na casa, ou fugirmos daqui mesmo; é preciso resolver. Que pensais vós?
– Eu penso, disse Bento Simões trêmulo ainda, que devemos fugir quanto antes, e andar dia e noite sem parar.
– E vós, Rui, sois do mesmo aviso?
– Não; fugir é nos denunciar e perder. Três homens sós neste sertão, obrigados a evitar o povoado, não podem viver; temos inimigos por toda a parte.
– Que propondes então?
– Que entremos em casa como se nada tivesse passado; ou estamos descobertos, e neste caso ainda faltam as provas para nos condenarem; ou ignoram tudo e não corremos o menor risco.
XIII : TRAMA
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