A voz de Isabel era tão doce, seu olhar tão suplicante, que Álvaro não pôde resistir.

– Falai, minha irmã.

– Sabeis o que eu sou; uma pobre órfã que perdeu sua mãe muito cedo, e não conheceu seu pai. Tenho vivido da compaixão alheia; não me queixo, mas sofro. Filha de duas raças inimigas devia amar a ambas; entretanto minha mãe desgraçada fez-me odiar a uma, o desdém com que me tratam fez-me desprezar a outra.

– Pobre moça! murmurou Álvaro lembrando-se segunda vez das palavras de D. Antônio de Mariz.

– Assim isolada no meio de todos, alimentando apenas o sentimento amargo que minha mãe deixara no meu coração, sentia a necessidade de amar alguma coisa. Não se pode viver somente de ódio e desprezo!...

– Tendes razão, Isabel.

– Inda bem que me aprovais. Precisava amar; precisava de uma afeição que me prendesse à vida. Não sei como, não sei quando, comecei a amar-vos; mas em silêncio, no fundo de minha alma.

A moça embebeu um olhar nos olhos de Álvaro.

– Isto me bastava. Quando vos tinha olhado horas e horas, sem que o percebêsseis, julgava-me feliz; recolhia-me com a minha doce imagem, e conversava com ela, ou adormecia sonhando bem lindos sonhos.

O cavalheiro sentia-se perturbado; mas não ousava interromper a Isabel.

– Não sabeis que segredos tem esse amor que vive só de suas ilusões, sem que um olhar, uma palavra o alimente. A mais pequenina coisa é um prazer, uma ventura suprema. Quantas vezes não acompanhava o raio de lua que entrava pela minha janela e que vinha a pouco e pouco se aproximando de mim; julgava ver naquela doce claridade o vosso semblante, e esperava trêmula de prazer como se vos esperasse. Quando o raio se chegava, quando a sua luz acetinada cala sobre mim, sentia um gozo imenso; acreditava que me sorríeis, que vossas mãos apertavam as minhas, que vosso rosto se reclinava para mim, e vossos lábios me falavam...

Isabel pendeu a cabeça lânguida sobre o ombro de Álvaro; o cavalheiro palpitando de emoção passou o braço pela cintura da moça e apertou-a ao coração; mas de repente afastou-se com um movimento brusco.

– Não vos arreceeis de mim, disse ela com melancolia, sei que não me deveis amar. Sois nobre e generoso; o vosso primeiro amor será o último. Podeis-me ouvir sem temor.

– Que vos resta dizer-me ainda? perguntou Álvaro.

– Resta a explicação que há pouco me pedíeis.

– Ah! enfim!

Isabel contou então como apesar de toda a força de vontade com que guardava o seu segredo, se havia traído; contou a conversa de Cecília e o modo por que a menina lhe fizera aceitar o bracelete.

– Agora sabeis tudo; o meu afeto vai de novo entrar no meu coração, donde nunca sairia se não fosse a fatalidade que fez com que vos aproximásseis de mim, e me dirigisse algumas palavras doces. A esperança para as almas que não a conheceram ainda, ilude tanto e fascina, que devo merecer-vos desculpa. Esquecei-me, meu irmão, antes que lembrar-vos de mim para odiar-me!

– Fazei-me uma injustiça, Isabel; não posso é verdade ser para vós senão um irmão, mas esse titulo sinto que o mereço pela estima e pela afeição que me inspirais. Adeus, minha boa irmã.

O moço pronunciou estas últimas palavras com uma terna efusão, e apertando a mão de Isabel, desapareceu: precisava estar só para refletir sobre o que lhe acontecia.

Estava agora convencido que Cecília não o amava, e nunca o havia amado; e esta descoberta tinha lugar no mesmo dia em que D. Antônio de Mariz lhe dava a mão de sua filha!

O Guarani (1857)Where stories live. Discover now