Capítulo 15: Amigo urso

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No dia seguinte, Kléu tentou lavar a túnica esfarrapada. Precisava de conserto, mas teria como agulha, linha e remendos por ali?

– Melhor não. – Terxion abanou a cabeça. – É muito evidente que é uma túnica de escrava. É raro alguém passar por aqui, mas é melhor não arriscar. Há uma aldeia humana a meio dia de caminhada, posso trocar um quarto de veado por algo mais decente...

– Mas não vão achar estranho um homem-urso comprar uma roupa de mulher?

– Hum... Tem razão. Vou ter de procurar uma amiga de confiança. De qualquer maneira, precisamos ouvi-la, ela saberá melhor como devemos agir.

Terxion saiu em busca da tal amiga e sumiu por dois dias, deixando Kléu apreensiva. No terceiro dia, reapareceu com um pacote, acompanhado por uma mulher negra de tanga.

– Vanguon-bã, esta é Ixkuapol-bã, uma xeló ou sacerdotisa de Chiuknawat.

– Como vai, Vanguon-bã? – Em vez da saudação com a palma aberta usual, fez um gesto com polegar e mindinho esticados.

– Um pouco assustada, mas melhor do que nunca na minha vida. – Respondeu com sinceridade. Hesitou sobre se deveria imitar o gesto dela, afinal o fez.

– Este sinal, – explicou ela – é de reconhecimento entre devotos de Chiuknawat. Quando alguém o fizer, mesmo de maneira disfarçada, deve ser dos nossos. A deusa e nós defendemos a liberdade, você sabe. Mesmo contra a lei. Não será já, mas vamos planejar uma forma de levar você aonde possa viver sem medo de ser perseguida.

Entraram e sentaram no chão, porque os bancos de Terxion eram muito grandes para elas. Estava limpinho, ela improvisara uma vassoura e pusera ordem na cabana.

– Não sei como agradecer... – Respondeu sem jeito, torcendo as mãos.

– Não é preciso. – Respondeu Ixkuapol, e lhe acariciou o ombro. – É uma satisfação servir Chiuknawat. Só peço para você jurar segredo sobre essa e outras revelações sobre nosso culto e prometer ajudar quem você encontrar em apuros semelhantes, quando isso estiver a seu alcance.

– E-eu, eu juro. Mas ouvi falar de gente que lê pensamentos...

– Disso a deusa se encarrega. O importante é não revelar por sua vontade. Me diga, há quanto tempo você se libertou? – Fitou-a com olhos grandes e amistosos.

– Acho que perdi a noção do tempo... Mas foi numa noite de terremoto muito forte.

– Isso faz dez dias – Calculou, mão na boca. – Sim, houve outros casos pela região...

– Você sabe de Panti e Siamin? Elas fugiram comigo da fazenda Tós de Novo Vale... – Quis saber, ansiosa.

– Não, desculpe, e se me dissessem algo, não seria pelos nomes reais. Cada uma de nós só sabe o indispensável. Você caminhou um bocado, hem, Vanguon-bã? Mesmo assim, não foi o suficiente. Nesta província e nas vizinhas, cada distrito recebeu uma lista de fugitivos com nomes, descrições e recompensas. Há muito poucas louras na província e só uma na lista, com oferta de trinta ases pela captura. É um belo saco de ouro, mais do que muitos ganham num ano. Quem vir você hoje e não for dos nossos, vai correr para a milícia. A marca da coleira ainda está bem visível no seu pescoço. Vamos deixar o tempo passar. O ideal seria o início do próximo verão, quando a história terá esfriado e o povo estará ocupado com as colheitas. Quase um ano. Se você puder ficar aqui, é mais retirado que qualquer outro esconderijo que eu pudesse arranjar...

– Para mim, não será problema – dirigiu-se Terxion a Kléu –, se você prometer tomar cuidado, não se afastar daqui sem nós e se esconder se aparecer algum estranho.

As Posições da MissionáriaWhere stories live. Discover now