Capítulo 18: Tu parirás teus filhos em gozo

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Quando acordei, era fim de tarde do outro dia. Eu estava ainda no mesmo ninho e ele ao meu lado, mas me trouxera uma cabaça d'água, raízes, cogumelos e um punhado de enguias amarradas. Vinha a calhar, eu estava faminta. Tomei a água e dei um pulo no rio para me refrescar, lavar os cogumelos e encher minha panelinha. Não havia em mim sinal exterior de mudança. Por dentro, era outro assunto. Para ter certeza, peguei umas sementes oleosas, esmaguei um punhado com duas pedras e pinguei o óleo na panela cheia d'água. Boiou e criou duas formas, um círculo e um crescente.

Voltei, preparei uma fogueirinha, piquei os cogumelos e matei as enguias para fazer um cozido depois de oferecer seu axé em sacrifício a Tepolkóatl, pois ele não precisava do componente corpóreo material. Ele me observou, curioso, mexer o cozido. Eu sabia o que ele queria saber, mas bloqueava a mente de propósito, para fazer suspense.

– Tlalpan, como te sentes? – Perguntou ele, por fim.

– Muito bem! Você sabe tratar uma humana, Tepol. Nem parecia uma primeira vez.

– Bem, na maior parte foi instinto, mas também procurei informar-me com os anciãos... Custei a encontrar quem me esclarecesse. Somos poucos, tu sabes...

– Agora vocês não serão mais tão poucos assim – Provei o caldo – Ficaria melhor com um pouco de sal, mas eu me arranjo sem...

– Tu já sabes? – Alegrou-se, admirado. – Tens certeza?

– Estou prenhíssima. São dois, um de cada sexo. Por que a surpresa? Aprendi uns truques de xamã e parteira. Você não é o único com poderes mágicos aqui.

A duração do desenvolvimento de fetos etéricos é muito variável, de minutos a anos, mas no caso de mulheres engravidadas por osquores é geralmente de dois meses. Foi o caso. Parecia uma gravidez normal, a não ser pela rapidez do crescimento das minhas mamas e barriga e por desejos um pouco incomuns. A saber, rãs, passarinhos, ovos crus, larvas, caracóis e tudo o mais que cobras gostam de comer. Tepol se esforçava para atendê-los (até arranjou sal), mas eu não quis abusar. Para fazer minha parte, improvisei um arco e fiz flechas para caçar. Mamãe me ensinou a atirar e sempre fui boa arqueira, mas estava acostumada a arcos compósitos de boa qualidade. Com aquele arco tosco, eu errava muito. Ele veio ver como eu me arranjava e me viu esbravejar por perder uma codorniz apetitosa. Abraçou-me e ofereceu:

– Tlalpan, posso dar-te uma pontaria melhor, se aceitares.

– Sério, amor? Quero, sim, mas pensei que você só conferia poderes de cura e fertilidade.

– Duksés podem cuspir veneno no olho de quem lhes pareça uma ameaça a braças de distância. Segura-me as mãos e mira meus olhos como da outra vez...

Nunca mais errei um tiro. Sem eu pedir, mais tarde ele também me presenteou com imunidade a picadas de cobra (ainda preciso, porém, tomar cuidado com outros animais peçonhentos) e poderes curativos sobre certas doenças, apesar de não os poder aplicar em mim mesma. Além disso, também descobri muito sobre a natureza, os espíritos da floresta e mim mesma. Algumas coisas eu poderia ter aprendido de minha mestra se na época eu não tivesse sido uma adolescente tão impaciente. Outras, nem ela sabia.

Durante o dia, quando não me ocupava buscando ou preparando comida e Tepol dormia, eu sentava para observar a natureza e meditar. Esse sossego autoimposto me fez muito bem, pude me conhecer como nunca. E à noite, transava muito. Durante a gestação, osquores precisam ser alimentados também com a essência do pai. É possível transmiti-la por imposição de mãos, mas prefiro a maneira divertida. Não foram trepadas tão intensas quanto a primeira, porque isso perturbaria o desenvolvimento dos bebês, mas foram gostosas e amorosas.

Fiquei quase o tempo todo sozinha ou com Tepol, salvo por algumas visitas astrais à família, principalmente minha mestra e madrinha Tiakat. Ela mesma e algumas de suas amigas e discípulas haviam tido experiências mais ou menos semelhantes. Ela me tranquilizou, eu estava em ótima forma e sempre era mais fácil do que com bebês humanos. Se eu quisesse ajuda, podia contar com ela.

No dia certo, as contrações chegaram, poderosas, pela manhã. Estava bem preparada e as recebi com prazer. Não achei preciso chamar Tiakat, mas acordei Tepol para me acompanhar. Dobrar-me sobre as curvas de sua cauda e receber suas massagens me ajudou a me relaxar e me preparar, mas no momento crítico, preferi ficar de cócoras. Tive um orgasmo tão longo quanto aquele com o qual eu fora fecundada e mais lúcido. Do círculo de fogo da vagina, a excitação me percorreu inteira, dos dedinhos dos pés à pontinha do último fio de cabelo. Ah, o escorregar quentinho do serzinho pelas minhas entranhas... Bem, não tão pequenininho assim. Era levinho, mas tão comprido quanto eu e se agitava ao sair, de modo a tornar a sensação muito, muito forte e prolongada.

O pai acolheu o primogênito e cortou o cordão umbilical. Sim, apesar de nascerem com a aparência de cobras perfeitas – os braços e os traços mais humanos surgem depois – nagas vêm com umbigo e placenta. Depois foi a vez da irmãzinha, um pouco maior, mais gorda e menos agitada, sair bem devagarinho, sem nenhuma pressa de deixar o meu útero quentinho. No fim, eu estava exausta. Se viesse mais um, não teria lamentado, mas talvez tivesse desmaiado.

Conforme o costume de meu povo, dividi as placentas com Tepol, as comemos cruas, propus os nomes, aceitos pelo pai – Tetsaukóatl, "cobra assombrosa" em tlavatli, para o pequeno inquieto e Makiskóatl, "cobra bracelete", para a irmã placidamente enrolada em espiral – e me deitei para amamentá-los.

Na verdade, o leite é apenas um veículo, o que de fato os alimenta é o axé, o poder da mãe. Tende a ser mais forte quanto maior a aura, o que provavelmente é a razão pela qual humanos com aura intensa são tão atraentes para os osquores.

Os dois cresceram ainda mais rápido depois de virem à luz. Em um mês, já tinham bracinhos e rosto e dobravam de peso e com dois meses estavam ainda maiores e já falavam. Nessa altura, podiam se alimentar sozinhos e ser deixados aos cuidados do pai, mas enrolei por mais um mês antes de me decidir a retomar meu caminho.

Minha mestra havia sido muito ambivalente sobre suas experiências. "Para uma mãe humana é rápido demais, não dá tempo de criar laços, não é justo. Eles me reconhecem, mas não me veem como uma mãe quer ser vista". Não fiquei com essa impressão. Para mim, foi encantador vê-los se tornarem independentes e me sinto amada quando os visito. Talvez eu seja menos possessiva, talvez os suçuas, os espíritos-veados com quem ela transou, sejam menos apegados às companheiras e mães humanas ou talvez a relação tenha sido menos satisfatória por começar por um pacto e não uma doação. Não se pode dar garantias, mas às vezes os espíritos da natureza são especialmente generosos para com humanos quando estes lhes dão amor sincero sem nada pedir.

Hoje estou envolvida demais com meus planos, meu casal de companheiros e meus filhos humanos – um menino adotado e uma menina do meu ventre, que levam muito mais tempo para crescer, é claro, mas são adoráveis – para pensar em voltar a Tepol, mas não desconsidero tirar um ano sabático e repetir a experiência antes de ficar velha para isso. Tenho saudades dele, de me sentir uma fêmea nua e selvagem e de dar vazão aos desejos sem pensar no dia seguinte e nas complicações e sutilezas da civilização.

Não condenei o Tepol à castidade até lá, é claro. Pelo contrário, contei às feiticeiras de Atlântis como ele é bom amante, companheiro e pai. Meus filhos nagas ganharam, nestes anos, três irmãozinhos, cada um de uma mãe diferente.

As Posições da MissionáriaWhere stories live. Discover now