Esse é o tipo de perda que irei lamentar enquanto eu viver.

Ele era sim um exemplo de homem, de pai, marido, irmão... Agora jaz numa caixa de madeira.

Muitas pessoas estavam chorando. Eu ainda não havia conseguido. Disseram que fiquei em "estado de choque", não entendi muito bem o que isso queria dizer. Tive muita vontade de chorar, mas não conseguia.

O caixão estava à minha frente, fiquei ao lado do meu tio Ramon, irmão do meu pai.

Meu tio é casado com um brasileiro. Nós sempre nos demos bem, eu me sinto a vontade com ele. E sempre serei grato, porque ele me levou para fazer meu primeiro teste de natação e incentivou-me desde que consigo me lembrar. Convenceu meus pais de que eu poderia vir a ser um grande nome no esporte da Espanha. Gosto do quanto ele acredita em mim. Agora ele era a única pessoa da minha família.

Papá tinha relações cortadas com sua família. Ele e meu tio Ramon romperam laços com todos desde que papá casou-se com ela. Não conheço ninguém da família além do meu tio. Não conheci nenhum avô ou avó. A mulher que me trouxe ao mundo é órfã, então éramos uma família de três. Quatro se contasse com meu tio, mas ele sempre morou no Brasil. Quando retornasse para o Brasil, iria com ele.

Não conseguia e ainda não consigo ficar perto dela.

Sabia que sentiria falta dos meus amigos Hugo e Carmela, pois sempre fomos unidos, como irmãos. Bem Talvez Carmela gostasse de mim um pouco mais que irmão, mas fingia que não sabia para não estragar a amizade. Ela me fez prometer que seria minha primeira namorada. Eu claro tive que prometer para ela largar do meu pé, e me ajudar a não cair da árvore em que nos pendurávamos nesse dia. Eu escorreguei e fiquei me sustentando com apenas uma mão, Hugo estava distante, e Carmela aproveitou-se da situação, sendo apenas a astuta de sempre.

O que me perturbou muito foi como a minha vizinha, Shelly não parava de chorar, ela chorou mais que qualquer outro - Acalme-se Shelly, ou vai passar mal. Dios Santo! - sua mãe dona Consuelo a amparava, como se ela fosse a viúva. Ela cresceu com mi padre, eles eram amigos inseparáveis. Seu pai morreu, há muitos anos atrás, deixando mulher e filha pequena na Inglaterra. Dona Consuelo então voltou à Espanha, para a casa de seus pais.

Continuei olhando um por um, até que meus olhos a encontram. Ela que deveria estar destroçada, se mostrava até bem serena, apertei firme meus punhos e senti a repulsa tomar conta de mim. Belinda a mulher que até ontem chamei de "mi madre".

As lembranças voltavam com tudo, ainda consigo ouvir o choro perturbador de papá, logo ele que era um homem tão alto astral, nada o tirava do sério­, nem mesmo quando madrugávamos para pescar, e não pegávamos nada, ele tinha sempre as palavras certas e cheias de consolo: "O importante não é vencer e sim participar". Nem mesmo nosso vizinho Sr.Juaréz, pegando no seu pé quando seu time perdia, ele apenas dizia: "Não se pode ganhar todas", e dava de ombros.

Meu tio Ramon começou a discursar. Ouvi suas palavras, pois é o único que sempre sentiu o que sinto.

Sou puxado para o presente. Até quando essas memórias me assombrarão? Não se passa um único dia que eu não seja torturado pelas lembranças do enterro ou do dia de sua morte. Foi tudo tão confuso e doloroso. Nunca comentei os detalhes com alguém, mas isso não impede que eu os reviva sozinho. Não preciso tocar nesse assunto para ser tragado por tristes memórias.

Meu tio acredita que seria melhor se eu contasse para alguém ou que eu fizesse terapia. Nunca fiz terapia, apesar de ter passado por situações que fodem a cabeça de qualquer um. Mas a natação me salvou, desde sempre. Mas apagar, isso, não consigo. Não que eu queira, pois assim tenho um lembrete forte para não confiar no sexo oposto. Foi o que ele me disse e assim eu sigo, como se suas palavras fossem um mandamento religioso.

Ele Vai Ser MeuDove le storie prendono vita. Scoprilo ora