Logan começou a balançar a cabeça, porém ela ergueu a mão rapidamente. 

 - Não quero saber. Não quero saber nenhuma das desculpas, nem das consolações, nem de nada, na verdade. Eu não preciso de nada. 

 Preciso dizer que senti vontade de falar. Mas eu entendia muito bem, afinal. Limpei a garganta para amenizar algo. 

 - Então... se você não quiser ir, não precisa. - Tentei. Ela me olhou, suavizando um pouco semblante. 

 - Não é questão de ir ou não. - Puxou a blusa branca de tecido fino contra o cotovelo - Vamos, não há porque ficar fugindo toda a hora disso - Bufou. 

 Eu concordei, a seguindo. 

 O trajeto fora estranho. Eu ainda pensava no que havia descoberto. Meus pais não foram totalmente inocentes. E aquilo estava doendo como uma ferida recente. Eu queria ter visto. Arya narrou tudo com detalhes, porém não pude ver meu irmão. Não pude ver sua imagem viva pelo menos uma vez, mesmo que fosse apenas por memórias jogadas no tempo. 

 Então eu soube; eu não queria viver uma vida normal. E nem conseguiria, depois daquilo tudo. 
Lembrei-me de como me sentia no carro daquela assistente social. Eu poderia vomitar a qualquer momento. Eu poderia me jogar de um prédio sem nele eu estivesse.
Mas agora, olhando bem para Arya e Logan, mudava totalmente de ideia. O que seria de mim sem eles?

E o que seria deles sem mim?

Anos atrás, talvez com meus dez anos, jamais pensaria em tudo aquilo acontecendo. E quando aconteceu, eu queria que minha carne se fosse dilacerada, eu queria morrer junto, porque o resto da minha vida inteira fora uma mentira.

Meus pais também erraram. Meus pais mentiram e venderam meu irmão, o dando embrulhado para presente nas mãos da própria morte.

Abaixei a cabeça. Como tudo seria diferente se ele estivesse vivo!

- Sam? - Ouvi Logan chamar. Arya me olhava quando finalmente me virei para ela também. Andávamos por uma rua de paralelepípedo. Imediatamente me lembrei da rua do orfanato. De Clara. De Kate.

Todos eles me manusearam como uma marionete com aquele sorriso largo e vazio de uma ponta à outra da orelha.

Eles pararam de andar.

Eu também quando percebi que Logan me abraçava. Só então senti que lágrimas banhavam minhas bochechas.

- Para com isso - Falei, fracamente, o afastando um pouco - Não quero ficar aqui chorando. Eu já fiz isso muito. Vamos para aquele médico logo. Eu quero sair dessa sensação de que minha vida está parada em um buraco cheio de lama! - Me virei para frente, secando as lágrimas com as costas das mãos.
Ouvi um suspiro de Arya, que em silêncio, voltou a me acompanhar, assim como Logan.

**

Passamos em frente à igreja assim que seu sino de som estridente desatou a tocar, anunciando o fim da tarde. Me espantei pelas horas avançadas, me lembrando que nem ao menos havia comido aquele dia. Talvez tenhamos ficado tanto tempo conversando, que nem ao menos nos ligamos que o dia se esvaía aos poucos.   

- Quem está tocando o sino? - Arya perguntou, franzindo a testa, parando em frente à igreja e olhando para dentro.

A acompanhei com os olhos ainda um pouco pesados. Logan deu de ombros.

- Não sei. Acho que ouvi falar de um senhor que passou a trabalhar aí. Só para cuidar, talvez. - Contou, sem interesse.

- Ué... mas a igreja irá voltar a funcionar então? - Perguntou, se voltando para nós de novo.

- Acho que sim - Adiantei, ao ver a porta retangular de madeira aberta. Não aparentava estar velha; nem nova, olhando bem. Talves meio termo, como se os anos tivessem engolido a igreja só para ele.

Arya praguejou.

- Meu pai gosta dessa igreja - Contou - A Lolla fora batizada aí. - Disse, com amargura, voltando a olhar. O sino parou de tocar quando o número de toques fora alcançado.

Franzi o cenho.

- Mas... não dizem que um padre se... - Comecei, confusa. Arya me cortou.

- É, ela foi batizada antes de ele se suicidar. Fez isso com a... corda do sino - Abaixou a voz na última frase. Um arrepio percorreu meu corpo.

- Você quer dizer... com esse mesmo sino? - Inquiri, sentindo meu sangue gelar.

Foi Logan quem concordou.

Estagnada, fitei o interior da igreja. Estava um pouco escuro, uma luz pálida batia no chão branco e preto.

Ouvimos passos. De repente eu não queria ficar ali em cima da calçada por muito tempo.

Arya se afastou minimamente, chegando perto de nós. Ia me puxando pelo braço, querendo continuar o trajeto para o hospital, mas a figura corpulenta de um senhor se fez ver, vindo do interior da igreja.

A luz aos poucos alcançou seu rosto, nos dando uma visão mais concreta. A barba com a cor branca prevalecendo, compartilhava de um cabelo grisalho, meio calvo atrás.

Vestia preto. Uma corda era passada pelo quadril. A aparência era pálida, porém totalmente normal. Os olhos que eram opacos e vazios, de um castanho desbotado e comum, sem emoção ou expressão.

Senti a mão de Arya tremer de leve e largar meu braço. Ela parecia não ter boas memórias daquele lugar.

Na verdade, ninguém parecia ter boas memórias de nenhum lugar.

- Olá, crianças - Ele cumprimentou ao sair da igreja, abrindo pequeno e magro sorriso. - Meu nome é Sidney. Mas pode me chamar apenas de Ney. - Se apresentou, com gestos lentos e vagos, que não eram executados até o fim. - Sou o novo padre da igreja. - Falou.

Nenhum de nós expressou nenhum movimento.

Eu até tentei responder qualquer coisa, ou ao menos dar um sorriso, mas fui impedida ao ver uma criança sair saltitando de algum lugar atrás de nós, com um sorriso totalmente alegre no rosto, parando à nossa frente.

- Sam! Sam, vamos, estamos atrasados! - A criança disse. Meu coração quase parou ao perceber que era Júnior.

- Pian... - Eu ia responder em um sorriso, diante dos olhos confusos de Logan e Arya, mas o bebê ergueu a mãozinha, negando rapidamente, me puxando pela calça.

Ney se afastou ao ver Júnior.

- Vem, temo que ir - Insistiu, embora estivesse com o mesmo sorriso. Parecia estar... vivo. Aquela luz ao seu redor estava apagada, lhe deixando com um aspecto normal.

Como eu queria que fosse verdade!

Dei uma troca de olhares com Arya, concordando e dando a mão para ele. Logan deu um pequeno e rápido sorriso para o padre, nos acompanhando.

Assim que a igreja saiu de vista, o sorriso de Júnior morreu e ele largou minha mão. A luz voltou.

Arya permanecia calada, o olhando. Havia algo diferente em seus olhos. E Júnior retribuía à todos os olhares, como se ambos virassem cúmplices depois de a menor saber de sua história.

- Por que fizera aquilo? - Questionei, me referindo ao fato de nos tirar de perto do padre. O fantasma deu de ombros, desviando os olhos de Arya.

- Tive que interferir. Não é para vocês ficarem perto dele. - Falou, baixinho, cruzando os pequenos braços.

- Por que não? - Pressionei.

- Não vão querer saber. - O ouvi. Franzi a testa.

- Como não? É por isso que estou perguntando, porque quero saber. Já não basta tudo que esconderam de mim até agora? - Insisti.

Arya me lançou um olhar de aviso, um tanto inquieta. Caminhava do lado de Pianista. Parecia estar angustiada. Não saía de perto do mesmo.

Júnior não me respondeu.

- Por que o padre se afastou quando você chegou? - Tentei de outra forma, em um suspiro pesado. Logan olhou o fantasma atentamente, relutante.

- Simples. O padre é um demônio. - Ele respondeu, erguendo os ombros, sem olhar para ninguém.

Tem Alguém Ai? - Volume 3Where stories live. Discover now