Clara Jones: Inferno

81 11 9
                                    

      Eu queria começar um assunto com ele, mas qual? Nunca fui boa com as pessoas, se fosse, com certeza estaria no fundo do ônibus com os populares. Estávamos quase na escola, eu tinha que falar, pela primeira vez em anos alguém sentou do meu lado, mas e se eu falasse alguma besteira e ele nunca mais sentasse aqui? Não, optei por ficar na minha  por que alguém como ele ia querer conversar comigo? "Quem em sã consciência iria querer ser seu amigo sua esquisita?" as vozes voltaram a ecoar, sempre fui controlada por essas vozes, elas me torturavam todos os dias, não eram alucinações, mas sim frases que pessoas ao meu redor já me disseram, elas só voltavam que nem em um filme, cada fala em um momento certo, nenhuma delas eram boas, afinal, nunca recebi elogios, não sou bonita, nem popular, nem rica e muito menos normal. "Esquisita" a palavra que me definiu a minha vida inteira, 16 anos jogados fora. Por que eu ainda insistia? Eu jamais seria feliz, eu poderia por um fim. Não que eu já não tivesse tentado.
        Já tentei me matar 3 vezes, mas sou tão imprestável que nem isso eu fui capaz de fazer, estou condenada a viver nesse mundo sendo julgada por um júri que se quer sabe da minha história, como podem julgar sem provas.
      O ônibus parou. Eis aqui meu pesadelo. Todos se dirigiram a saída menos o garoto, ele permaneceu parado, olhando pra frente, vendo todos saindo, mas ele não se movia, o que estava esperando?
- É...Será...que você...- ele me fitou, um arrepio subiu pela minha espinha, ficou ali me olhando diretamente nos meus olhos, ele parecia procurar algo dentro de mim, mas tudo o que ele vai achar é o vazio.
- Desculpe - e saiu.
- Ei não vai descer? Se não sabe já chegamos na escola - disse o motorista - ou você espera que eu vá ai e lhe leve nos braços?
     Desci do ônibus e bem na minha frente meu inferno. Era como se uma mão gigante apertasse o meu coração e quisesse dilacera-lo, desfaze-lo a míseros pedaços até não restar nada. Eu estava no segundo ano do ensino médio por milagre, por quê minhas notas eram péssimas, nunca me interessei de verdade pelos estudos, não tenho um futuro, não tenho amigos, nem família. Sou só eu.      
    Abro meu armário, um bilhete em forma de coração, eu sabia o que era, "Quando te vejo sinto algo diferente. É paixão? É amor? Não, é medo de você sua cara de côco." Joguei o bilhete no lixo sem abri-lo e corri para o banheiro, entrei em um dos boxes e fechei a porta. Chorei. Tirei a lâmina do bolso. Um, dois, três cortes, o sangue pingava, fiz um mais profundo e fiquei vendo meu sangue se esvaindo de mim. Desabei.
- Clara abra essa porta ou terei que força-la - era a voz do Sr. Killer. Abri a porta devagar, ele estava olhando para mim com um olhar de pena, me tirou dali e me levou para a enfermaria.
- Clara você quer que liguemos para sua mãe? - ele perguntou.
Se minha mãe fosse tirada do trabalho por minha causa com certeza eu levaria uma surra, fiquei apavorada.
- Não Sr. Killer - falei quase em um sussurro - Está tudo bem.
- Tem certeza? Clara você precisa de uma psicóloga, precisa se cuidar.
     Não preciso de uma psicóloga, preciso de uma arma, minha mãe jamais perderia seu tempo me levando a uma psicóloga, ela é ocupada demais, não tinha tempo pra nada que envolvesse a mim, quando não estava no trabalho, estava com algum homem nojento, eu odiava quando ela os levava para casa, podia ouvi-los do meu quarto, era repugnante, eles sempre davam em cima de mim, alguns deles até passavam a mão, por isso sempre que ela leva algum deles, eu tranco a porta do meu quarto, não quero passar por isso de novo "Você é muito gostosa bebê, vem aqui que eu vou te mostrar uma coisa..." meus olhos se encheram de novamente, olhei para o Sr. Killer.
- Vou conversar com minha mãe sobre isso - nunca.
- Ótimo! Agora vá para a aula você já esta bem atrasada, esta quase na hora do almoço.
      Sai da enfermaria desnorteada, minha cabeça estava a mil, assim que virei no corredor esbarrei em alguém, era ele, o menino do ônibus...
- Des...desculpa eu... não tinha te visto - falei erguendo a cabeça, ele me fitava, olhava no fundo dos meus olhos, parecia que ele queria entrar dentro de mim.
- Tudo bem, também não tinha te visto - Falou firme. Ele ficou ali me olhando, parado, o tempo parecia lento, seus lindos olhos azuis encontrando os meus, não sabia qual seria meu próximo passo então decidi arriscar
- Você está indo almoçar? - perguntei
- Sim - respondeu frio
- Posso ir com você? - eu sabia qual era a resposta, nem sei por que perguntei
- Pode. - gelei. Eu podia!

    
 

BloodWhere stories live. Discover now