Clara Jones: O Começo

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      Estava quase na hora de ir para a escola, levantei sem o menor ânimo como todas as manhãs, sabia que estava caminhando para o inferno de todos os dias. Liguei o chuveiro e tomei um banho, a água fria molhava meu corpo quente tirando o cansaço da noite. Minha mãe havia cortado a água quente do meu banheiro como castigo por que eu tirei F em matemática, não me incomodei,já tinha me acostumado com as punições severas dela, não a culpo porque eu era o desinteresse em pessoa.
       Antes dos meus pais se separarem eu estudava em uma escola particular, depois que meu pai foi embora minha mãe teve que cortar as despesas, agora estudo em uma escola precária, com o ensino péssimo e pessoas horríveis, sem contar que é muito longe. Quando eramos uma família eu ainda experimentei momentos felizes,depois da separação minha vida mergulhou de cabeça no abismo da depressão.
          Desço para tomar café, em frente a escada tem um espelho,quando estou descendo, todos os dias sou obrigada a olhar minha figura decrépita, isso eh uma tortura, já pedi pra minha mãe tirar ele dali mas ela simplesmente me olha dos pés a cabeça e me ignora. Paro em frente e olho para meu reflexo,aquilo era eu, aquele rosto inchado de chorar a noite inteira, o corpo magro e curvado, os olhos fundos, branca como uma alma, afinal, era isso o que eu era, uma viva-morta, uma alma vagando pelo mundo sem rumo, solitária.
- Clara - grita minha mãe - venha logo tomar seu café, não me faça perder mais tempo.
       Me dirijo a cozinha, sem esquecer a imagem que vi no espelho; na mesa, ovos mechidos, torradas secas e uma xícara de café fria. Do outro lado esta ela, Abigail, sempre bela, com seus cabelos negros caídos sobre os ombros, a mulher mais linda que conheci e era minha mãe. Nós não tínhamos um bom relacionamento, éramos bem distantes, não conversavamos sobre nada, ela não me perguntava como eu estava na escola, se estava gostando de alguém, se me sentia só, se pensava em me matar...
      Terminamos o café indiferentes como sempre, peguei a mochila e passei mais uma vez em frente ao espelho,uma voz dentro da minha cabeça sussurrou "esquisita",senti meus olhos se encherem mas o dia ainda não tinha começado não era o momento de transbordar ainda. Sai sem dirigir uma palavra se quer a minha mãe, ela também nem notou quando fui embora, as vezes penso que se eu sumisse ela nem repararia. Cheguei na parada do ônibus às 7:20 da manhã, ele passa 7:30, os 10 minutos em que fico esperando são os primeiros minutos da minha tortura diária. Elas vem em minha direção, sorrindo, já sei o que vai acontecer, meu corpo se contrai e minha mente se abre pronta para recebe-las.
- A cada dia que passa você tem ficado mais ridícula - comenta Alice - se olhou no espelho hoje querida?
    Ela soltou uma risada irônica,a imagem do meu reflexo veio a tona, ela estava certa, eu era ridícula, as vozes ecoavam dentro da minha cabeça, aquilo já era rotina, mas eu não me acostumava. Alice e Anne Cater eram minhas vizinhas, Alice era alta, com um corpo atlético, loira dos olhos azuis, e Anne  era mediana, com o corpo esbelto,cabelos loiros, lisos umas das meninas mais bonitas da escola,todos os garotos a queriam, mas só os populares conseguiam. Todas as manhãs elas me bombardeavam com os mais variados tipos de insultos e pior de tudo todos eram pura verdade sobre mim, meu subconsciente já aceitou isso.
- Onde você compra suas roupas? Em um brechó? - pergunta Anne com deboche. E assim segue meus 10 minutos. O ônibus chega, me jogo na primeira cadeira. Atrás só sentam os populares, no meio os que pensam ser populares e na frente, os esquisitos. Coloco o fone e fico ouvindo minhas músicas, ignorando o fato de estar sentada sozinha no banco,ignorando todos ao meu redor,me perco em meus pensamentos, as vozes gritam dentro de mim, meus olhos transbordam, o vazio me toma, o que eu tô fazendo nesse mundo se não sou feliz e talvez nunca seja? Fito o caminho percorrido, sei para onde estou indo, meu pesadelo.
       Uma última parada, os últimos alunos sobem, permaneço apática a tudo. De olhos fechados sinto a música e...alguém sentou do meu lado,tenho medo de abrir os olhos. Ouço sua respiração profunda,abro os lentamente, olho de canto, um garoto pálido, com o cabelo loiro bagunçado, olhos fundos, azuis, frios. Ele estava ali ao meu lado, parecia ilusão, quase o toquei para ver se era real. Nunca o tinha visto, devia ser  aluno novo, provavelmente não sabia que não deveria sentar perto de mim. Voltei a olhar a janela, me sentia estranha,ninguém nunca sentava no mesmo banco que eu, era estranho, me sentia desconfortável. Fechei meus olhos e voltei a sentir a música. Algo estava errado, podia senti-lo me olhando. No meio do vazio. A luz.
       

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