"Está vendo, pequenina? É fim de ano! Olhe quantos fogos!" - Meu pai dizia. Eu abria um sorriso banguela, batendo palmas desajeitadamente, sendo segurada em seu colo. - "Como vai ser esse ano? Está pronta?" - Perguntou. Eu balancei a cabeça, com marias chiquinhas me acompanhando. Ele abriu um sorriso, me olhando e depositando um beijo em minha testa, enquanto os fogos do ano novo eram soltos no céu. Minha mãe dentro de casa, afastou a cortina da sacada, se pondo ao nosso lado com um sorriso. 

 "Papai, todos os anos vamos ter ano novo?"  - Perguntei, com minha ingenuidade infantil. Eles riram e meu pai respondeu: "Vamos sim, meu amorzinho." 

 "E sempe vamos estar assim?" - Continuei. 

 "Sim, será sempre assim" - Ele respondeu novamente. 

 "Sempe eu, voxe, e a mamã?" - Insisti. Minha mãe soltou um riso, e concordou docemente com a cabeça. 

 - "Sim, minha querida. Sempre nós, todos os anos."

Todos os anos...

 É, mãe. Vocês não estão aqui, não estamos juntos como todos os anos. 

 Ergui meus olhos de lágrimas, os parando automaticamente à minha frente, resfolegando baixinho, dando um pequeno pulo de susto. Mas deixei os ombros caírem ao ver Pianista em minha frente. Sua fisionomia não estava como das outras vezes; agora era triste, e parecia querer chorar igualmente. 

 - Pianista - Sequei as lágrimas apressadamente. Eu realmente pegara o costume de chama-lo pelo apelido, e não pelo nome de verdade. 

 - Não precisa fazer isso - Ele disse. Sua voz parecia ser dita sobre neblina. Era longe, quase fumaça. Barulho que esvaía no ar. Franzi a testa minimamente, o encarando. - Não precisa fingir que não estava chorando, vamos, eu estava te vendo desde que você perguntou para um anjo de pedra se ele se sentia solitário. - Acrescentou. Soltei um riso curto e baixo, balançando a cabeça. 

 - Agora você sabe como a Agatha se sente, não? - O garotinho deu um sorriso, com as lágrimas iniciais sumindo de seus olhos, voltando para a travessura de sempre. 

 - Como assim? - Perguntei, me recompondo um pouco, o olhando confundida. 

 - A Agatha. Fazia exatamente como você fez alguns minutos atrás. Ela sabe como se sente. Você tem seus amigos, mas perdeu sua família. Sente como se ninguém a ouvisse como devesse, porque ninguém sabe o que quer dizer. Eles são vagos, dizem que sentem muito, e não podem fazer mais por você. Você já está cansada de ouvir as pessoas lhe dizendo que sentem muito. Então você quer alguém que te ouça em silêncio, e que pareça compartilhar sua dor. Mas você não precisa falar com coisas sem vida, Sam. Coisas que não existem. Eu te ouço, estou te ouvindo por todos esses anos, calado. Você não está sozinha. Nem você, nem ninguém. Por mais que tudo pareça estar acabando de vez. - Falou. Só então percebi que eu o olhava com a expressão pasma. 

 - ...Você não é um bebê. É impossível você ser uma criança - Arqueei as sobrancelhas. Eu estava mais espantada com sua maturidade do que estar no meio de um cemitério conversando com uma alma. 

 Júnior soltou um riso, balançando a cabeça, flutuando alguns centímetros do chão, cruzando os braços. 

 - Eu seria um adolescente de... Hm... - Ergueu os olhos, como se tentasse lembrar de algo - De dezenove para vinte anos. Se eu pudesse. Se eu estivesse vivo. - Explicou. 

 Deixei meus ombros caírem, com o desânimo voltando, olhando para o chão. 

 - É, mas você não está. Sorte sua. - Sussurrei, juntando as pernas contra o peito, apoiando a cabeça nos joelhos. O pequeno Pianista franziu o cenho, se aproximando mais, me olhando. 

 - ...Sorte? - Devolveu em um sussurro - Você acha que queria estar morto? Eu trocaria isso - Ergueu as mãos, mostrando como levitava no ar - Eu trocaria a liberdade, trocaria tudo que tenho aqui, para ter amigos como os seus. Trocaria tudo, viveria uma, duas, três, quantas vezes forem necessárias pra te mostrar como viver é bom, Sam - Juntou as sobrancelhas. - Quer a morte? Como, se nem viveu? - Perguntou. 

 Aquela pergunta me fez parar. Prendi a respiração, erguendo os olhos para ele. Aquele garotinho, aquela pequena criança me dizia coisas que eu nunca tinha pensado antes. 

 - Eu já vivi o suficiente! Já vivi duas vezes, uma parte com meus pais, e agora esse pesadelo! - Exclamei. Pianista me olhava como se não entendesse. - Você não sabe como é horrível... 

 - Já viveu? - Ele me cortou - Apenas porque perdeu seus pais? Eu também perdi! Nem me lembro de ter sido feliz com eles como você foi! Eu só me lembro do meu cenário de morte, minha vida foi um pesadelo do começo ao fim! Você não viveu nada, Sam. Por acaso tem noção... - Ele pareceu querer falar algo, mas engoliu, balançando a cabeça, se deixando cair no chão e se levantando - Se julga já ter vivido, então sabe como é bom viver. A felicidade faz parte do caminho Sam, a felicidade não custa caro. A felicidade é uma escolha, você sabe disso. Você não viveu, então viva. Por acaso se lembra de como era feliz quando era criança? Volte a ser uma, esqueça o que perdeu, e ache o que vai ganhar! Por que acha que estou aqui, mesmo depois de morto, com a aparência de uma criança de seis, sete anos? Acha que eu conseguiria conter meu ódio se eu estivesse em forma de adulto? Com todos esses pensamentos bagunçados, eu não seria feliz. Não se deixe ser enganada pelo desespero, Samantha. O desespero é irmã da loucura - Acrescentou a última frase baixinho. 

 O olhei com atenção, me perguntando pela centésima vez, como puderam matar alguém assim. Tudo tinha acabado para ele, ele não teve ninguém por muito tempo. Não sabia muito bem de sua história, mas não devia ter sido fácil assim. 

 - ...Eu queria ter te conhecido quando você era vivo - Falei, baixinho. Ele era tão genial... Com certeza iria me ajudar em muita coisa. Notei que ele se retraiu minimamente. Eu dei um fraco sorriso.

 - Seria legal ter você na minha família. Talvez hoje em dia, eu não estivesse sozinha no mundo - Engoli em seco. Notei que ele fez uma careta. Podia ser uma careta de brincadeira, porém aquela, passava amargura. Franzi a testa. Ele soltou um soluço. 

 - Eu... era- Ele sussurrou, com a expressão em amargura. 

Tem Alguém Ai? - Volume 3Where stories live. Discover now