Capítulo 11 (Parte 2)

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Após um longo e angustiado suspiro, ao chegar ao seu destino, ela procurou um lugar para se acomodar e retirou a câmera da mochila. Os reflexos do sol espelhavam-se no centro do pequeno rio como se fossem milhares de pequenas estrelas, enquanto as sombras das folhas imensas das árvores que o cercavam disputavam os espaços laterais.

Ela obrigou-se a se concentrar na paisagem e tirou inúmeras fotos do local. Aquele tipo de trabalho e a floresta, com seus odores e sons diversificados, sempre traziam alento ao seu coração, mesmo nas situações mais difíceis.

Momentos depois, quando a dor em seu peito foi minimizada pela paz que emergia de todos os lados daquela imensa floresta tropical, ela tornou a pegar uma trilha e continuou sua caminha solitária pela mata. E durante várias horas, tirou outras inúmeras fotos, recarregando assim não só sua energia como também o seu ânimo.

No final da tarde, era óbvio que seu coração ainda estava angustiado, mas, ao menos, ela agora se sentia em condições de voltar para casa e enfrentar as consequências de sua decisão, pensou.

Só que não!

***

Entre uma miríade de sentimentos, Eduardo colocou algumas peças de roupas na mochila

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Entre uma miríade de sentimentos, Eduardo colocou algumas peças de roupas na mochila. Sim, ele queria ter se aberto com Açucena. Queria ter lhe contado o quanto aquele período que antecipava seu aniversário mexia com ele. Mas não conseguiu.

Era-lhe extremamente difícil falar de seus sentimentos para quem quer que fosse. Por mais que tentasse, desde a morte trágica do pai, quando teve de parecer forte para não agravar ainda mais a situação da mãe, ele simplesmente não conseguia.

E as perdas subsequentes somente tornaram-no ainda mais fechado. Tanto que quando a filha faleceu, ele se manteve num silêncio profundo durante todo o ritual fúnebre. Não chorou e também não permitiu que ninguém o tocasse, o consolasse, nem mesmo Marcela, sua ex-esposa e mãe da menina. Afinal, nada do que lhe falassem iria lhe trazer qualquer consolo. Muito pelo contrário. Cada um dos clichês usados nesses momentos só o deixavam ainda mais furioso e revoltado. Durante o enterro da mãe, ele cansou de ouvir comentários idiotas do tipo: "Ela está num lugar melhor agora", ou ainda: "Deus sabe o que faz".

Não. Ele não queria ouvir aquelas baboseiras de novo. Por isso, manteve-se tão inacessível quanto lhe fora possível. Não que isso tenha sido um ato plenamente consciente e muito menos que tivesse querendo parecer "o valentão", como lhe dissera sua ex-esposa. Não. Não era nada disso. A verdade pura e simples é que aquilo estava doendo demais. E aquela dor insuportável ainda trazia em seu bojo o sentimento de impotência diante do destino...

E trazia de volta também a culpa.

E a culpa era ainda mais cruel que todo o resto.

Ele lembrava-se claramente que após o enterro da filha, trancou-se em seu apartamento, ainda entorpecido pela dor. Mas quando o entorpecimento cedeu, e as lágrimas romperam a primeira barreira, o desespero tomou-lhe conta. Não conseguia aceitar aquela triste realidade. E ele chorou descontroladamente por Valentine e por todo o resto, como nunca antes. Chorou pela morte do pai, da mãe, do avô, da filha e por todas as perdas que tivera em sua vida.

Todas essas lembranças que sempre vinham à tona nos dias que antecipavam seu aniversário, especialmente naquele dia, ganharam ainda mais força e tornaram o nó em seu peito tão dolorido que ele teve de sentar. E, por um longo momento, ficou parado ali, apenas movimentando, de um lado para o outro, a linda pulseira de miçangas em seu pulso, que ganhara de Açucena. Em seguida, fechou os olhos e afundou a cabeça nas mãos. Não suportaria perder mais alguém que amava. Mas também não sabia o que fazer para evitar isso.

Era óbvio que Açucena tinha todo o direito de conhecer sua história, e de se sentir insegura, magoada e excluída, já que tudo o que ele lhe contara sobre sua vida fora bastante superficial. Só que ele ainda não estava preparado para abrir as comportas daquela avalanche de sentimentos represadas em seu peito.

Algum tempo depois, quando um pouco de sua angústia deu uma trégua, e ciente que não teria como dormir no galpão por causa do forte cheiro de tinta — Afinal, durante o dia, ele costumava abrir as janelas algumas vezes para ventilar o ambiente, mas à noite isso não seria possível —, e ciente ainda que, mesmo que o cheiro de tinta não estivesse tão forte, ele não suportaria ficar tão próximo de Açucena sem poder tocá-la, sem poder amá-la, ele terminou de arrumar a mochila.

Antes de sair, porém, ele precisou tomar algumas providências.

***

Havia coisas de Eduardo espalhadas por todos os ambientes da casa. Na sala, pequenas coleções de cd's e dvd's ficaram no rack; no quarto, algumas peças de roupas foram deixadas nos cabides e nas gavetas do guarda-roupa; no banheiro, sua escova de dente o aguardava tranquilamente.

Mas o maior problema não eram essas pequenas coisas, por mais que lhes fossem perturbadoras e trouxessem recordações, refletiu Açucena. Pois assim que tivesse um tempinho, iria juntar tudo numa caixa e guardar no galpão, onde inúmeras outras coisas aguardavam pela mudança de endereço. O maior problema naquele momento era, justamente, a ausência dele.

Como poderia dormir ali sem se abalar profundamente?, perguntou-se, após sair do banho e olhar para a cama bagunçada e vazia. E, antes de estender-se sobre o colchão e enterrar o rosto no travesseiro, cogitou pernoitar na cabana, na floresta. Só que lá, durante a solidão da vigília, seria ainda mais difícil evitar a lembrança da primeira vez que estivera com Eduardo ali... que fizeram amor ali...

O fato é que não havia mais lugar em sua vida que não tivesse sido amplamente ocupado por Eduardo. Exceto a aldeia, lembrou. Mas, aí, teria de enfrentar os questionamentos do pai.

Revirou-se na cama durante a noite inteira sem conseguir pegar no sono, sendo que, quando enfim conseguiu dormir, já quase amanhecendo o dia, teve um sonho turbulento que misturava momentos de perseguição, sexo intenso, prazer e medo.

Ela despertou gritando por ele desesperadamente. E seus gritos o despertaram.

Eduardo havia acabado de pegar no sono, mas, durante horas seguidas, a assistira angustiado revirar-se na cama, através da mini câmera que instalara no alto de seu guarda-roupa.

E aquilo foi difícil demais.


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E, aí, o que acharam?

Deixem seus comentários.

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Música tema: Black {Luto}

Banda: Pearl Jam

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Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Where stories live. Discover now