Capítulo 2

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Maués/AM

Sexta-feira...


Um calafrio rápido, porém bem intenso, desceu pela sua nuca até o fim da coluna vertebral. E aquele pressentimento ruim de estar sendo observada, seguida, voltou a tomar conta de Açucena naquele momento. Mas ela estava convencida de que aquela sensação era apenas uma sequela de um passado não tão distante assim, uma paranoia sem qualquer sentido que lhe acometia esporadicamente, quando estava sozinha na floresta. Além disso, há algum tempo, prometera a si mesma que não mais permitiria que o medo a dominasse de novo. Por isso, embora seu instinto se mantivesse em estado de alerta, como fizera em outras vezes, ela se apegou à hipótese da paranoia e seguiu o seu caminho.

Horas depois, quando aquela sensação terrível passara totalmente, ao chegar às margens de um riacho, arriscou-se a um mergulho naquela imensa piscina natural, mesmo sabendo que muito em breve desabaria um baita de um temporal, típico da floresta amazônica. Afinal, o dia estivera muito quente e seria quase humanamente impossível resistir àquela água fria e cristalina. E ela ainda se manteve alguns instantes ali, o suficiente para relaxar um pouco, antes de tomar o rumo de casa.

Por isso, já eram mais de cinco horas da tarde quando dobrou a esquina de sua rua, em passos largos. Estava empolgada para baixar em seu computador as fotos que tirara da floresta, durante sua pernoite na cabana e também ao amanhecer. Durante o resto do dia, havia recolhido sementes e outras folhagens para sua nova pesquisa, e, ainda que isso tudo lhe fosse muito prazeroso, o fato é que as horas demoraram demais para passar naquele dia. Eduardo estava há pouco mais de uma semana fora e, segundo lhe informou, retornaria apenas no domingo à tarde, então, ela precisava ocupar ao máximo o seu tempo, para tentar abrandar a dor da saudade que sentira durante todo aquele período. E ainda teria de enfrentar esse sentimento por mais dois dias.

Ao abrir o portão de sua casa, suspirou fundo. Seria difícil dormir mais uma noite naquela mesma cama sem sentir o calor do corpo de Eduardo junto ao seu, tanto que ela cogitou pernoitar mais uma vez na cabana. Mas o vento forte que estava soprando há vários minutos era sinal de que uma tempestade estava mesmo a caminho. Além disso, precisava recarregar a câmera e de um bom prato de comida, já que estava faminta. Quando ficava na floresta, geralmente, alimentava-se apenas de frutas e sementes que recolhia, o que dava para enganar o estômago. Só que ela já se encontrava nessa dieta há mais de 24 horas.

E a chuva desabou quase no mesmo instante que destrancou a porta e entrou. Ela suspirou de novo, desta vez, de alívio. Foi quando ouviu alguns passos e logo em seguida o viu, encostado sobre o umbral do portal que separava a sala da cozinha.

Como sempre, a simples visão dele já seria mais do que suficiente para provocar um alvoroço dentro dela e acelerar as batidas de seu coração. Mas com aqueles músculos salientes à mostra, visto que ele estava apenas de calça jeans, e aquele sorriso tão maroto no rosto bruto e, ao mesmo tempo, esplêndido, a surpresa pareceu ainda maior.

Quando se livrou do leve torpor que a acometeu por alguns segundos, ela jogou a mochila no canto da sala, tirou apressada a câmara do pescoço e correu para os braços dele, pulou em seu colo e o abraçou com braços e pernas.

— Du! Você disse que só voltaria domingo!

Ele apertou-a forte contra o seu peito.

— O material de pintura que eu lhe disse que estava em falta e que tive de fazer o pedido, chegou ontem, então, resolvi fazer uma surpresa — Aquilo era parte da verdade, já que realmente tivera de fazer o pedido do material. Só que ele recebera tudo no dia seguinte. A outra parte da verdade, que Açucena não poderia sequer desconfiar, era que ele havia conseguido resolver todos os trâmites legais na corporação um pouco antes do previsto. — Estava morrendo de saudade e já não conseguia mais ficar nem um dia sem você. — Essa última parte, era a mais profunda verdade.

Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Where stories live. Discover now