Capítulo 5

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A estratégia era a mesma há anos. Jovens acima de qualquer suspeita, alguns provindos de famílias abastadas de vários estados e de outros países também, eram abordados em boates ou mesmo em faculdades para um trabalho muito simples: passar alguns dias numa cidade pitoresca no Brasil, com todas as despesas pagas, misturar-se com grupos turísticos ou de pesquisadores e depois levar algumas "coisinhas" na bagagem de volta.


Para parte dos jovens estrangeiros, a única preocupação é que não se tratasse de drogas, já que, em alguns países, as punições para narcotráfico são rigorosas. Porém, a pessoa que os contatava assegurava que não se tratava de drogas, e oferecia dinheiro suficiente para convencer até os mais temerosos.

Mas não eram apenas jovens que eram abordados. Pessoas mais velhas também integravam esses grupos com diversos intuitos. Assim, todos os dias, homens e mulheres chegavam à cidade para servirem de "mulas" para o tráfico de sementes, de pequenos animais ou até mesmo de informações. E se misturavam aos grupos turísticos, enquanto aguardavam instruções e o material para transporte.

Por isso, as apreensões raramente os pegavam de surpresa. Isso só ocorria quando algo muito inesperado surgia ou quando, por interesses às vezes bastante obscuros, outras nem tanto, os chefões do tráfico entregavam "de bandeja" à polícia algumas de suas operações.

Bora colocar os *MIB para trabalhar. Eles precisam mostrar trabalho de vez em quando, comentavam em tom de chacota, antes da delação de alguma operação que encobriria outras muito maiores.

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Ela conhecia de cor os animais e seus hábitos alimentares, assim como as espécies mais ativas durante o dia e as que preferem caçar à noite

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Ela conhecia de cor os animais e seus hábitos alimentares, assim como as espécies mais ativas durante o dia e as que preferem caçar à noite. Desta forma, embora em seu íntimo continuasse relutando com a ideia de reabrir a agência de ecoturismo, durante uma semana inteira, ela o levou pessoalmente para conhecer todos os percursos e explicar detalhes de cada local.

Era de extrema importância para ela que Eduardo conhecesse as peculiaridades das espécies residentes da região para exercer as atividades turísticas com o máximo de segurança. Coisa que ela aprendera desde muito jovem, com seu pai e avós.

— Grande parte dos animais mais perigosos da selva amazônica tem hábitos noturnos — comentou, quando adentraram numa trilha no meio da mata, cujas copas das árvores se fechavam por cima, imitando um enorme e extenso portal. — Isso não significa que não existe perigo durante o dia. Muito pelo contrário. É preciso estar sempre bem atento a qualquer barulho, observar com cuidado se há cobras pelo caminho, ou qualquer outro bicho peçonhento que possa oferecer perigo aos visitantes...

— Você já me falou isso uma dezena de vezes, Açucena — disse Eduardo com um sorriso zombeteiro no canto dos lábios.

Ela ignorou o deboche e continuou frisando os pontos que considerava mais importantes. Com seu pai e avós, Açucena aprendeu também a viver em perfeita harmonia com a natureza, honrando a vida de todos os seres habitantes e a lei da selva, cujo princípio básico é saber respeitar o ritmo dos animais mais fortes, sem deixar de se atentar à fragilidade das criaturas menores. Respeitava ainda a crença de seu povo nos espíritos da mata, apesar de muitas vezes já ter se questionado sobre a existência desses tais espíritos. Afinal, como cientista que era, não tinha como não duvidar dos mitos e crenças não só de seu povo, como também de todas as religiões do mundo. Pois tinha conhecimento suficiente para saber que o conjunto de estórias que eram sempre utilizadas para explicar a origem do homem e os fenômenos da natureza, que se baseavam sempre em feitos e façanhas de deuses, semideuses e heróis, tinha apenas a intenção de tentar entender algo que até bem pouco tempo não se conseguia explicar: a vida humana e de tantas outras espécies. Porém, ela reconhecia o valor dos mitos para o seu povo, e respeitava. Além disso, também não tinha como questionar a força, quase sobrenatural, que sentia em meio àquele esplendor verde à sua volta. Por isso, mesmo com todas as dúvidas que, vez ou outra, tomavam posse de seu coração, procurava cultivar as tradições e crenças de seus ancestrais.

Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Where stories live. Discover now