Capítulo 3

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Desta vez, enquanto esperava o corpo desacelerar e tornar ao seu ritmo normal, Açucena manteve o rosto sobre o peito de Eduardo e uma das pernas sobre as dele. Ouvia as batidas de seu coração, que aos poucos também voltavam ao seu ritmo normal.

Pressentiu que ainda havia alguma coisa que o aborrecia e seu coração tornou a se afligir. Será que um dia aquela ambiguidade que flutuava sobre seu relacionamento com Eduardo seria totalmente superada?, perguntou-se.

E lembrou que a dúvida estava intrínseca em sua relação com ele desde o momento que seus olhos se cruzaram e o destino, caprichoso e sarcástico, entrelaçara suas vidas. Sim, porque ela sabia que era a ambiguidade, a dúvida, que alimentara aquela paixão avassaladora que ainda poderia custar muita angústia a ambos.

Ela fechou os olhos e procurou esquecer aquilo, enquanto ele acariciava seus cabelos, e a chuva, que ganhara mais força, estalava nas treliças de madeira da janela do quarto. E acabou adormecendo, apesar da aflição não ceder em seu peito.

Quando acordou, cerca de uma hora depois, Eduardo havia estirado um lençol fino sobre ambos e estava às suas costas, com um dos braços sob sua cabeça e o outro em torno de sua cintura.

Por alguns instantes, ficou imóvel ali, sentindo-se deliciosa e assustadoramente presa pelo corpo quente e rígido. Era uma sensação boa e ao mesmo tempo estranha, acordar com Eduardo naquela posição de conchinha. Só que ela já havia se acostumado com aquela dubiedade em seu peito, assim como havia se acostumado com aquela postura e sentia realmente falta daquilo, quando ele viajava.

E naqueles seis meses que estavam morando juntos, Eduardo viajou quatro vezes para São Paulo, sendo que, em duas vezes, ela o acompanhou. Na primeira, para o lançamento da exposição dele e na segunda, para a sua própria exposição. Mas, em ambos os casos, ficaram apenas de dois a três dias, tempo suficiente para organizar o evento e estabelecer os contatos necessários com os convidados.

Na outra viagem que Eduardo fez sozinho, para buscar material de pintura, lembrou Açucena, ele ficou também apenas alguns dias em São Paulo. Somente dessa última vez demorou mais de uma semana.

O que de fato terá acontecido?, perguntou-se.

Sua intuição lhe dizia que ele não havia sido totalmente honesto. Mas, como não lhe fazia o gênero ficar cobrando explicações de quem quer que fosse, resolveu que aguardaria que ele mesmo tocasse no assunto.

Com esse pensamento, e ciente que ele estava dormindo, remexeu-se na cama, na tentativa de levantar. O braço em sua cintura a agarrou ainda mais forte.

— Não fuja de mim — resmungou Eduardo, ainda dormindo, num tom de voz tão baixo que ela mal compreendeu suas palavras.

— O que disse? — questionou, virando-se para ele e fazendo-o despertar no mesmo instante.

Eduardo a olhou com uma expressão confusa. Havia adormecido pesadamente, o que era muitíssimo raro.

— Eu disse...? — Droga! Bastou algum tempo fora da academia para eu ficar enferrujado!, pensou, com um misto de raiva e ironia de si mesmo. Preciso treinar novamente meus reflexos, manter meus instintos aguçados. — Eu disse alguma coisa?

Percebendo uma ligeira e inexplicável contrariedade em sua face, ela depositou um beijo terno em seus lábios.

— Deixa pra lá! Vamos jantar agora? Eu não aguento mais de fome.

Em compensação, ele beijou-a na ponta do nariz e então levantou-se:

— Vamos sim. Mas espere aqui. — E sorriu quando ela franziu o cenho. — Vou esquentar a lasanha que, com certeza, já esfriou. Quando tudo estiver pronto, eu lhe chamo.

Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Where stories live. Discover now