Sobre a morte

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Após inúmeras reflexões sobre a idade e a solidão, me deparei com a mais irreversível das correntezas: a morte.

Noventa por cento do meu trabalho de conclusão de curso estava pronto. Os últimos dez por cento não competiam a mim, era programação de site e o Homofóbico teria que se virar para concluir. Um ciclo iria se fechar em nossas vidas em dezembro. A morte da minha vida universitária. Devo dizer que foi uma vida mal aproveitada. A universidade deveria ser um local de estudo e divertimento, de desafios e conquistas do mercado e de uma nova vida. Mas sairia de lá desempregado, provavelmente teria que voltar à logística pra poder me sustentar... Porém havia coisas boas como aprender a criar animação.

O irmão da minha tia morreu. Eu não o conhecia. Só o tinha visto algumas vezes passando pela rua, não sou muito conhecido aqui na vizinhança e nem faço questão. O que chocou foi o modo como morreu: acidente de carro, uma Perua prensada por caminhões. Seu filho estava no passageiro e ficou no hospital em estado grave.

A mãe de um dos membros do meu grupo da faculdade também faleceu. Ela tinha um grave câncer que se espalhou por todo o corpo. Tinha um colega no meu grupo que tinha uma deficiência que eu não sabia explicar. No primeiro ano de faculdade, eu não compreendia o que ele falava. No último ano, ele estava em meu grupo, e sua dicção melhorou muito. Sua mãe uma vez me ligou para agradecer por tê-lo colocado no grupo, os dois eram muito ligados. O pai dele não conversa com ele, só falava com a mãe. Seus pais o buscavam na faculdade todos os dias, não o ensinaram a viver no mundo moderno. O mais impressionante foi que, depois da morte dela, ele se tornou muito mais independente, comunicativo e cheio de atitude. Talvez a mãe fosse uma espécie de superprotetora prejudicial. Ele teve que se forçar a caminhar sozinho.

Não sei se eu já aprendi a caminhar sozinho.

Meu namoro tinha morrido há quase dois meses, e ele já estava com outro, dizendo que ele tinha lhe dado tudo que ele procurava. Em uma de nossas discussões de praxe, ele falou, com essas palavras:

"O que eu e você tivemos naquele quarto tínhamos em qualquer cinema. Ficamos só na brincadeira. Eu considero que o que fizemos foi brincadeira."

Sim, ele jogou no lixo três meses de relacionamento com essa frase e decidi matar esse relacionamento de vez.

O 3.9 escreveu no MSN: "Procuro um namorado". Pronto. Morreu minha "foda" fixa... Ele disse que cansou de ficar só na diversão. Quem sabe a noite que tivemos e a impessoalidade de dormir na mesma cama sem trocar nenhum carinho não o tenha feito acordar para a solidão que vinha vivendo... Quem sabe...

Conheci um rapaz chamado Julio, assistimos Tropa de elite no cinema. Muita morte e sangue. Julio tinha um ótimo papo, conversamos muito. Ele pagou meu cinema (falamos muito sobre emprego, ele se preocupava comigo desempregado). Dei uma mancadinha quando entramos no cinema. Ele falou para sentarmos no canto e eu falei que no meio era melhor. Quando me lembrei do que eu e o Matheus fazíamos no canto, tentei reverter, mas ele preferiu sentar no meio. Nada rolou, mas conversamos bastante. Ele não parecia gay, mas me envolver com ele seria complicado: Virgem, nunca ficou com rapazes, tímido, morava com os pais, não frequenta baladas ou bares... O que uma pessoa assim tem a oferecer? Me pergunto até hoje.

"A barra da morte é que ela não tem meio termo" já dizia Elis Regina.

O véu da morte envolve a tudo. Não há um dia no mundo em que não haja morte. O que me preocupa não é morrer, mas como morrer. Nunca perdi um parente próximo com idade suficiente para refletir sobre isso. Quando fui desapropriado e vim morar na casa da minha avó (falecida), meu tio bêbado morava aqui. Ele levava uma vida solitária, era triste de ver. Todos os dias saía e voltava bêbado. Velho, solitário e se afogando na bebida. Esse é sem dúvida meu maior pesadelo.

E ele morreu sozinho em seu quarto...

Acho que prefiro uma morte rápida e indolor. Estar aqui e de repente PUF... Morrer sem nem perceber.

Em meio à atmosfera de morte que envolveu meu grupo na faculdade, o Bipolar contou a história de seu primo de 23 anos. Sentiu uma dor no estômago e ao ir ao médico, descobriu ter um câncer irreversível. Seis meses de sofrimento, e a morte. Um ano mais novo que eu... perdendo a vida.

Eu gostaria de morrer antes dos meus pais pra não sofrer com a morte deles, ao mesmo tempo que sei que os pais não merecem sofrer com a perda de um filho. Fico então em cima do muro.

A primeira vez que tomei consciência da importância de se pensar na morte foi no terceiro colegial, aula de filosofia. Meu professor nos fez ler textos sobre a morte e fez uma introspecção, na qual escrevi muito da vida em que estava vivendo. Naquele dia tomei consciência de que pensava, logo existia...

"No momento da morte entendemos a vida", já dizia o Capitão Nascimento.

Ok, ok, esse brainstorm foi horrível e mórbido, mas eu garanto que pra mim foi bom desabafar uma carga negativa que estava pairando sobre minha cabeça. Me sinto mais leve agora...

Diário de um ex-virgem gayOnde as histórias ganham vida. Descobre agora