Linha tênue do amor e do ódio

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Na faculdade, eu fazia parte de um grupo bem peculiar. Havia o homofóbico, de quase dois metros de altura, a beata infantil, o bipolar e eu...

Conheci o homofóbico no primeiro dia de aula, quando pisei no portão e perguntei onde ficava a sala do nosso curso para o segurança, ele falou comigo que também faria o curso. Ao longo do curso percebi que ele tinha ideias bem diferentes das minhas principalmente em relação à sexualidade, com preconceitos que nem meus avós seriam capazes de exibir.

Depois conheci a pequena beata, uma mulher aparentemente vivida, cheia de ideias formadas com relação a tudo (ela se negava a assistir a rede G lobo, por exemplo).

No sexto semestre, tivemos a infelicidade de colocar o bipolar no grupo, o aluno mais lindo da sala que saía de seu grupo antigo por "divergência de ideias". No meio do semestre, fazíamos apenas nós três, a beata estava de fora, e tivemos a primeira discussão. Vi lágrimas nos olhos dele naquela vez, e as discussões se prolongaram por mais duas vezes. Aquela cara de bonzinho era pura fachada.

Nesse semestre, a beata se juntou a nós e tudo parecia ir bem, até que num determinado dia, ela não adicionou um texto dele no trabalho. E ele soltou suas garras novamente, atacando a beata e o homofóbico. Eu fiquei quieto, e vi a beata chorar, tamanho foi o choque diante do bipolar.

Conversei com o bipolar e o fiz pedir desculpas à beata. E foi então que ela se apaixonou perdidamente por ele... sinistro.

Aos poucos, minha amizade com o segurança da facul aumentou, teve vezes que eu cheguei atrasado e fui obrigado a entrar pelo estacionamento. Era eu chegar e ele já começava a conversar por horas e horas. Um dia o bipolar chegou e nos flagrou conversando... Fiquei bem sem jeito e falei:

—Daqui a pouco eu subo.

E continuei conversando. Na sala o bipolar nem perguntou, acho que o lado bonzinho estava ativo.

Troquei telefone com o segurança, a amizade está crescendo gradativamente, por mais que eu achasse que o Albano seria meu novo amigo, a naturalidade com a qual o segurança e eu começamos a conversar acabou superando as expectativas.

Foi então que aconteceram as bizarrices. Pra começar, de manhã conversei com o Segurança e ele começou a me mostrar umas fotos. Por mais que eu o achasse bonito, não sentia mais aquele desejo anterior. A amizade prevaleceu.

—Ah, Arthur, não te mostrei a foto do meu ex, quer ver?

—Mostra, quero ver se você tem bom gosto...

Ele me mostrou. Aquele momento entrou para o hall das maiores bizarrices que já presenciei. Quando vi aquela foto, mergulhei em um flashback de meses atrás... Lembram?!

"Sua timidêz está prendendo seu sangue no testículo?"

"E então Arthur, você vai transar hoje?"

Lembraram? Um encontro que tive, no qual fiquei nervoso por estar com a boca machucada... aquele cara, que queria me levar pra transar na casa dele, com o papo moralista de arranjar namorado... era o namorado do Segurança... Quando olhei aquilo, fiquei em choque. Que destino, que coincidência (não existem coincidências). Menti na hora dizendo que o encontro foi antes do Segurança conhecê-lo ( na verdade não sei se foi mentira minha, não lembro a data). Afinal, por um tempo o Segurança amou aquele pilantra.

Subi e estávamos fechando o trabalho final pro dia seguinte. Como estamos fazendo a história que eu criei, eu tenho que coordenar a equipe. Porém, o homofóbico estava com problemas com sua parte e eu comecei a tentar ajudá-lo. O bipolar começou a pedir ajuda em sua parte, mas eu estava ocupado com o homofóbico. Ai seu lado negro aflorou...

—Olha, daqui a pouco eu vou fechar essa merda aqui e não vai mais ter apresentação!!

Eu e o homofóbico nos olhamos, já imaginando o que ia acontecer. Passou um tempo e ele veio perto de mim.

—Arthur , você não vai ver o que eu estou fazendo? Você falou que ia me ajudar!!

—Calma, bipolar, eu estou ajudando o homofóbico no trabalho aqui!

—Ajudando a fazer o que? Mano, eu estou com essa apresentação ao maior tempão aberta aqui, e você fica ai sem fazer nada!!

A coisa começou a esquentar. Entre outras revoltas dele, alegou que eu estava tratando o trabalho dele como se fosse lixo. Achei aquilo um absurdo, e os outros grupos estavam olhando.

—Bipolar... Você está percebendo que tá dando seu showzinho de novo, né? —Falei, com a maior calma do mundo.

—Quê? Você tá tirando uma com a minha cara? É isso?

—De forma alguma, só acho que não é necessário esse escândalo. Você não sabe tomar decisões?

—Meu, vai ficar como está então, não vou mexer mais.

—Acabou?

—Claro que não, você tem que resolver esse tipo de problema...

—Acabou, bipolar?

Me surpreendi com minha calma, em outros tempos eu tentaria gritar mais, tentaria agredir verbalmente, mas dessa vez não fiz nada disso, e ele saiu derrotado. Terminei de mexer nas coisas com o homofóbico e mostrei o trailer para a apresentação do dia seguinte. Eis as palavras do bipolar.

—Nossa, ficou chapado!! Demais!! Muito bom, vai arrebentar.

Bizarro? Definitivamente.

Ele foi embora enquanto eu estava no banheiro e a beata depois falou:

—Perdi o encanto pelo bipolar...

Ficamos rindo de seus problemas com socialização, até eu perceber esses rótulos em cada um deles. Homofóbico, beata, bipolar. Se cada um deles soubessem quem eu sou, jamais me tratariam com respeito. O homofóbico se afastaria pra não se contagiar com minha homossexualidade, a beata diria que aos olhos de Deus eu era um pecador e o bipolar... bem, esse já não gosta de mim, só quer ganhar nota. E então o amor se converteria em ódio.

Por quatro anos convivi com a maioria deles, sem muito aprofundamento... e por dois meses falo com o Segurança e me sinto muito mais íntimo, mesmo no campo da amizade. Grande linha tênue essa...

Diário de um ex-virgem gayOnde as histórias ganham vida. Descobre agora