Kaori e o terremoto

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Depois que a Kaori foi embora, continuamos amigos nos correspondendo por cartas e conversando horas no telefone, ela gastava um cartão telefônico por fim de semana, contando sua vida, conversando sobre tudo, de uma forma que só nós dois éramos capazes. Nossa amizade perdurou mesmo à distância.

Mas o tempo passou, e suas cartas pararam. Seus telefonemas cessaram. O colegial acabou e descobri minhas preferências até então desconhecidas.

O tempo passou. Voou. E eu enterrei a Kaori dentro de mim, tendo somente suas cartas como memória. Um dia, então, recebi sua ligação. Ela estava em São Paulo e havia se lembrado de mim. Tivemos nosso encontro na Sé e passamos a reservar dias para sair juntos e conversar (naquela ocasião que narrei, quando conheci o Fabiano.

Aos poucos, resgatamos aquela amizade há tanto perdida. Mas eu tinha mudado, e de um jeito ou de outro, ela teria que saber.

Um dia, fomos passear no centro de Sampa e começou a cair uma chuva fraca. Ficamos bem próximos, nos protegendo. Ela me contou que seu primeiro beijo foi se protegendo da chuva com um cara. Eu imediatamente liguei meu radar de que havia alguma coisa ali. E, claro, não a beijei.

Na volta, estávamos cansados e sentamos nos banquinhos próximos à esquina dela, falando de relacionamentos. Ela me contou como era difícil arranjar alguém, estando em São Paulo praticamente isolada de tudo que um dia teve. Contou que tinha medo de se relacionar. Eu à incentivei a continuar, disse que havia alguém lá fora esperando por nós. Levei-a até a porta de sua casa e então, antes de partir, ela me roubou um beijo, virando-se imediatamente e partindo.

Segurei minha boca enquanto caminhava para casa. Como eu sonhei com aquele beijo, e agora que havia aquela possibilidade... eu estava pirando. Naquele mesmo dia, ocorreu aquele primeiro terremoto em São Paulo. Carma? Destino? Aviso dos céus??

Até então, eu nunca havia contado pra ninguém que eu era gay. Mas eu não poderia ficar com ela e arriscar tudo. Ela disse que quando um relacionamento não dava certo, ela simplesmente desaparecia. E eu já tinha perdido uma vez.

Não passou nem uma semana, era um sábado. Depois do trabalho, passei em uma lan house para fazer uns downloads e conversar no msn. Kaori estava lá, e começamos a conversar. Ela foi bem direta (pelo msn é fácil) perguntando por que não poderíamos tentar, enquanto eu só dizia que não podia, que era complicado, etc.

"Complicado por que? Você por acaso tem alguma doença ou é gay, sei lá, coisa do tipo? Somos livres e desimpedidos. E a gente se gosta!!"

Depois de muita conversa e dela desabafar muito, eu disse que não podia completá-la nesse quesito.

"Por que não?"

"Digamos que o que você falou lá em cima... seja verdade..."

"O que?"

Eu copiei e colei o trecho em que ela me questionou de ser gay. Ela não acreditou. Por muito tempo me questionou "você está brincando comigo, né?" "Eu não acredito" "Tem certeza ou só está falando isso pra gente não ter nada?"

No fim, ela acabou acreditando, dizendo que tínhamos que nos encontrar. Foi difícil falar do assunto no início, mas aos poucos ela compreendeu e aceitou o fato. Às vezes, temos longas discussões sobre o que é o Homossexualidade e por que demorei tanto pra notar. Mas não há por que discutir. Tudo estava dentro de mim, só precisava se libertar. Agradeço aos céus por hoje ter essa japonesa ao meu lado, agora casada e com sua filhinha já crescendo. Espero que ela nunca mais suma, espero que seja até que a morte nos separe!!

Diário de um ex-virgem gayOnde as histórias ganham vida. Descobre agora