— Me desculpe. Eu fui um tolo. Um estúpido.

— Foi mesmo! Por favor, não... não me toque — pediu com a voz um pouco embargada, quando ele tentou abraçá-la mais uma vez. E seguiu-se mais um momento de silêncio até que ela conseguiu se controlar e a voz saiu tão dura quanto lhe fora possível. — Vamos esclarecer de uma vez por todas este ponto, Eduardo: Eu não tenho planos de maternidade por enquanto, tá? Quem sabe daqui a quatro ou cinco anos... Mas um filho é algo que tem de ser planejado, amado. E eu não arriscaria engravidar sem que isso estivesse também em seus planos. Portanto, não me trate como uma irresponsável. Sou uma mulher adulta e sei me cuidar, entendeu? — Ela se virou e abriu as portas do guarda-roupa com força, pegou uma calça jeans, uma camiseta e uma lingerie e avisou: — Vou visitar o meu pai. Faz tempo que não vou vê-lo e isso não é justo com ele. Eu sei que ele sente muito a minha falta e também tenho sentido a falta dele e dos meus amigos.

— Eu vou com você.

— Não. — Ela virou-se para ele e seus olhos ainda cintilavam a mágoa contida. — Eu vou sozinha. Preciso de um tempo, ok? — Foi em direção ao banheiro e se virou mais uma vez para fitá-lo quando já estava à porta. — Ah, e não ouse a me seguir.

Droga! Como pude ser tão idiota? Eduardo teve vontade de socar a si mesmo. Por isso, colocou um shorts e uma regata e foi para o atelier, onde havia improvisado também uma mini academia e dependurara um saco de boxe.

Precisava descarregar toda aquela raiva em alguma coisa, pensou, dando início a um treinamento pesado. Precisava de algo para descontar sua estupidez.

***

Ela não queria que o pai a visse daquele jeito. Saraíba a conhecia bem demais e notaria na hora sua angústia, refletiu, enquanto caminhava lentamente pela floresta.

E ela só precisava de um tempo sozinha naquele paraíso verde para equilibrar suas emoções e conseguir raciocinar com mais clareza. Sempre fora uma mulher coerente, livre, dona do próprio destino, mas, desde que conhecera Eduardo, sua vida virou de cabeça para baixo.

Por outro lado, também reconhecia que nunca outro homem lhe despertara tanta paixão e prazer. Nunca se sentira tão completa e feliz nos braços de nenhum outro. O problema é que Eduardo era um homem dominador demais e esse era um comportamento que ela nunca apreciou.

Só que agora era tarde para arrependimento, pensou. Sua mente não mais a obedecia e sua vida estava literalmente nas mãos daquele homem que, desde o início, aprisionara seu coração.

Alheia em seus pensamentos, Açucena abaixou-se para arrumar o cadarço de seu tênis, que havia se soltado, e foi neste momento que ouviu o som de um galho se quebrando. Será algum bicho?, perguntou a si mesma, e, assustada, levantou-se rápido e olhou em direção de onde veio o barulho. Ela sempre soubera distinguir com perfeição os sons provocados pelos bichos da mata e pelo bicho homem, mas estava tão entretida naquele dia que sequer teria notado a presença de uma sucuri à sua frente, e essa era uma conduta extremamente perigosa para qualquer pessoa que se atrevesse a andar sozinha pela floresta.

Como pôde arriscar-se desta forma, Açucena?, repreendeu de forma dura a si mesma como se fosse uma terceira pessoa, e, durante um longo momento, manteve-se parada ali, atenta ao menor movimento. Mas a única coisa que ouviu foi o ronco estridente de um bugio, que perambulava ali por perto, os cantos afinados de alguns passarinhos enamorados, o farfalhar das folhas das copas das árvores e outros sons típicos da maior floresta tropical do mundo, que ela conhecia tão bem e, por isso mesmo, sabia o perigo escondido por trás daquela imensa beleza natural.

A floresta sempre fora o seu verdadeiro lar, e nada lhe acarretava mais conforto do que passar algumas horas ali. No entanto, um descuido em um lugar como aquele poderia ser fatal. Ela aprendera desde muito jovem, com seu pai e avós, quais são as espécies mais ativas durante o dia e as que preferem caçar à noite. Grande parte dos animais mais perigosos da selva amazônica são notívagos. Portanto, como sua avó costumava lhe dizer, quando era criança e adorava brincar na mata: "durante o dia o maior perigo na floresta são os animais pequenos, como vespas, aranhas, escorpiões e lacraias, já que suas picadas, muito embora não sejam fatais, são muito dolorosas".

Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora