Parou mais uma vez diante de um dos quadros que mais gostava, que tinha o rosto de uma menininha desenhado numa abertura do tronco de uma árvore, em meio à floresta e animais típicos da Amazônia. A expressão da criança era de total fascínio, com seus olhinhos arregalados e a boquinha entreaberta.

Esse quadro era muito especial para Eduardo. Conforme ele mesmo lhe dissera, era uma réplica do que havia feito para presentear a filha, antes de seu falecimento, e que se encontrava na casa de sua ex-esposa.

Ao lado, havia mais uma representação da menina, só que, nessa segunda imagem, aparecia apenas seu belo e alegre rostinho, apoiado sobre as duas mãos, e ela estava envolta por um magnífico par de asas.

— Ela era linda — disse, ao sentir os braços fortes dele envolvendo-a por trás. — E era parecida com você... principalmente, os olhos.

Ele ficou calado por um longo tempo. E, de repente, ouviu a própria voz como se fosse um murmúrio de outra pessoa.

— Quando ela nasceu, cerca de uma semana antes do previsto, eu estava em uma missão no interior de São Paulo...

Ele parou. Açucena manteve-se imóvel em seus braços, aguardando que continuasse.

— Fui avisado pela minha esposa quando a bolsa se rompeu e, pouco tempo depois, ela entrou em trabalho de parto... Peguei a estrada naquela mesma tarde, mas só cheguei ao hospital à noite e Valentine já tinha nascido... A gravidez de Marcela não fora planejada e eu não me sentia totalmente preparado para ser pai, confesso. Mas no momento que vi aquela coisinha nos braços da mãe, experimentei algo muito forte. Não dá para explicar direito. Foi um misto de sentimentos. Meu peito parecia que ia explodir de alegria e medo...

A voz de Eduardo falhou neste momento e ele pigarreou levemente para recuperá-la. Açucena permaneceu imóvel, esperando calmamente que continuasse seu desabafo.

— Medo porque sabia que daquele momento em diante eu passara a ser responsável por aquele ser tão pequeno e indefeso. E por mais que me esforçasse, que me desdobrasse, eu não poderia protegê-la totalmente... Não poderia evitar que ela adoecesse, que se machucasse quando desse os seus primeiros passinhos... Lógico que aquela sensação de impotência foi diminuindo com o tempo. Valentine era um bebê sadio, e se tornou uma criança muito linda e extremamente esperta. Mas aí eu e Marcela nos separamos. Era inevitável. Depois, veio a doença... — A voz falhou de novo e ele levou um tempo maior para recuperá-la dessa vez. Quando enfim tornou a falar, o tom de sua voz havia se tornado grave. — Valentine nunca fora muito parecida comigo. Todo mundo dizia, e eu concordava, que ela era a cara da mãe... Acho que a única coisa que minha filha realmente herdou de mim foi a doença.

Não foi só o que ele disse, mas como ele disse que a fez soltar-se de seus braços e girar no mesmo instante para fitá-lo.

— O que você falou?! — Encarou-o com olhos céticos. Mal podia acreditar no que tinha ouvido.

Ele cruzou os braços sobre o peito e ficou fixando o quadro por cima dos ombros dela, enquanto uma enorme onda de dor e revolta parecia querer arrastá-lo para as profundezas mais abissais.

Mas como não queria demonstrar o quanto aquilo lhe doía, limitou-se a pedir:

— Esquece!

— Como assim, esquece?!... Du, você... — Açucena envolveu o rosto dele em suas mãos, para obrigá-lo a olhar para ela. — Você não pode ter falado sério. Você não teve culpa alguma! Ninguém pode se culpar por ter um histórico de câncer na família. Isso... Isso é loucura!

A explosão veio na forma da mais absoluta frieza, o que aumentou ainda mais a perplexidade dela.

— Você é bióloga, Açucena. Portanto, sabe que não estou falando nenhuma bobagem. A Marcela não tinha casos de câncer na família. Então, a herança foi minha — sentenciou. Em seguida, ele a pegou pelos pulsos e retirou as mãos de seu rosto. — E eu não quero mais passar por isso.

Corações Selvagens (Capítulos para degustação)Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin