09.1 | ou ❝uma dose, duas, três... sete!❞

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— Eu estou tão despreparada para isso. falei, catatônica, ao atravessar os portões da Mansão Avelar.

Entrei de braços dados com Lorena, usando-a de escudo. Era uma festa que começava no meio da tarde, com o sol dourando o oceano que espiava por trás da construção. De acordo com Lola, não tinha horário para acabar: a festa duraria até o último adolescente bêbado cair.

Ninguém estava vestindo de jeans.

Me arrependi de não ter acatado a sugestão de Lorena para sapatos. Eu me sentia desarrumada de vestido preto simples, de alcinhas, e All Stars. Todas as garotas, sem exceção, estavam de salto. Tentei melhorar minha aparência soltando os cabelos, antes presos em um rabo de cavalo, e pedi emprestado o batom de Lorena.

Não cheguei a entrar na casa. Nós atravessamos o jardim direto para o deque de frente para uma praia privativa, que ficava nos fundos da casa, onde a festa acontecia. A música era estridente: o chão tremia. O deque estava decorado com luzes e plantas secas. Tinha garçons.

Eu juro. Garçons.

Eu já tinha entendido que a família de Lucas era rica, mas aquela casa era inacreditável. A Mansão ficava em uma ilha pequena, muito próxima à Ilha de Vitória, e fazia a casa da minha mãe (que também não era humilde ou discreta) parecer um galinheiro. As paredes eram de vidro, as colunas da parte de dentro eram de motivo greco-romano. Pé direito alto. Verdadeiras obras de arte penduradas pelas paredes.

Enquanto eu recolhida meu queixo caído, Lorena acalmava meus nervos.

— Você não está despreparada! — ela guardou o batom na bolsa de contas minúscula que carregava — Você está linda.

— Eu não pareço comigo mesma.

— E isso é ruim? — ela brincou — Qual é, você só está dizendo isso por que acha que vai ver ele. — e me provocou, se referindo a Natan.

Se ela não fosse minha única amiga, eu a odiaria.

Lorena continuou a caminhar, acenando para oito pessoas glamourosas ao mesmo tempo enquanto andava. Fiquei grata por ela não estar prestando atenção em mim, porque eu estava procurando Lucas, não Natan, com os olhos.

— Não estou interessada. — eu dei de ombros, mas eu não sabia se isso era verdade. A única coisa certeza que eu tinha no quesito Natan, era que ele me deixava confusa.

O que não é lá grande certeza.

Lorena pediu licença e saiu para dar pulinhos e gritinhos com uma garota que se vestia exatamente como ela: como se estivessem num prêmio internacional de música, e não na casa de um colega de escola.

De repente, eu me vi sozinha.

Meu estômago deu uma ou outra revirada enquanto as pessoas passavam por mim, me olhando de cima abaixo, avaliando meus tênis e cabelo embaraçado. Fiz um gesto para Lorena indicando que eu pegaria uma bebida, e sumi na multidão, procurando por Lucas.

Eu estava ansiosa para ver a cara dele quando me visse. Seria impagável. Queria fazê-lo se sentir tão otário quanto ele me fez sentir.

Andei pelo que pareceram horas no meio de toda da festa, ao som de música eletrônica e papo de rico, sobre relógios caros e viagens para lugares que eu nem sabia que existiam. Então, eu finalmente o encontrei.

À beira da piscina, com os cabelos molhados caindo charmosamente sobre os olhos, o torso exposto, salpicado de gotículas de água clorada. Ele usava um relógio como o que eu tinha reparado no pulso de Natan, mas que nunca o tinha visto usar. Seus olhos azuis estavam direcionados a um garoto que eu reconheci da escola, engajado em uma conversa que eu não estava perto o suficiente para ouvir.

Eu tinha um objetivo. Estava ali para desmascará-lo. Mas vê-lo tão... eu não sabia o que era. Vê-lo, por si só, ainda mexia comigo.

Lucas estava no meio de outros os garotos do time de futebol da Leonardo da Vinci, incluindo o Zé e o Mário Ney, o capitão do time de futebol que sempre parecia ter algo desagradável a dizer. Não havia garotas à vista. Provavelmente, por medo da Lola Dante.

Gravei aquela imagem na minha memória, para que eu me lembrasse dela da próxima vez que os olhos de Lucas me confundissem.

Eu precisaria me lembrar do dia que vi quem Lucas Avelar realmente era.

Porque, mesmo parada no meio de uma festa que não tinha nada a ver comigo, e contemplando aquela pessoa que eu me dei conta de que não conhecia, eu ainda enxergava o garoto da caminhonete, que trabalhava no Aquário e amava fotografia.

Fechei os olhos, respirei fundo, e caminhei na direção da piscina.

Levou algum tempo, mas nossos olhos se cruzaram e ele desviou, desatento. Novamente, ele me olhou e não houve para onde fugir. Era como se ele tivesse visto um fantasma. Foi assim que eu me senti.

Me recusei a chorar.

Li os lábios dele pedindo licença a todas aquelas pessoas. Ele corria na minha direção, mas eu não me movi.

Já que o circo ia pegar fogo, eu não queria estar no centro do picadeiro.

Quando ele se postou na minha frente, eu não sabia o que dizer.

Onde Há FumaçaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora