Capítulo III - O Bom Filho a Casa Torna / Parte 4: Edgar Visco

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Parei o carro em um posto próximo da minha casa. Arrependi-me no exato instante de não ter apreciado um bom jantar no restaurante de Linda; estava faminto. Minha sorte foi o fato de o posto ser de uma daquelas franquias que possuem pequenas conveniências e padarias em suas instalações. Entrei e pedi por um hambúrguer, sentando-me em um banco junto à uma mesinha, próxima ao balcão de pães. Um par de amigos tomava uma cerveja ao meu lado; observei-os e abanei a cabeça, desviando o olhar, quando flagrei-me desejando uma maldita bebida.

A refeição veio e, voltando o olhar para a cerveja, pedi um refrigerante para acompanhar. Talvez por Linda, ou, diabos, talvez por medo. Ao terminar de comer, agradeci, deixando algumas notas sobre o balcão. A chuva já havia começado e agora estava mais forte; o tipo de chuva que faz as pessoas se esconderem debaixo de marquises.

"Droga...", lamentei, saindo correndo em meio à chuva, direcionando-me para casa.

Pela rua, as pessoas lançavam-me um olhar, como se dissessem: "O que diabos aquele homem está fazendo correndo no meio dessa chuva?". Em minha defesa, deixara o carro propositalmente no posto. Tinha uma leve esperança de enganar o desgraçado, que parecia aparecer apenas quando eu não estava em casa, e pegá-lo no flagra. Parece algo simples e banal, mas grandes bandidos são capturados exatamente por causa dos pequenos erros. Lembro-me de uma das mais famosas gangues assaltantes de carro de Circodema e região que fora encarcerada porque um de seus "funcionários" não conseguiu evitar o sono e dormiu dentro de um dos veículos roubados. Patético, eu sei.

Quando finalmente cheguei em casa, estava encharcado. Não me lembrava da última vez que o céu caíra daquela foram em Circodema; tal chuva me fazia temer pelos meus planos. Passou pela minha cabeça que novamente iria ficar arrependido de não passar a noite nos braços quentes de minha Linda. E, Deus, como ela estava fervendo naqueles dias!

Caminhei até a cozinha, não ligando a luz da sala, e, antes de subir para o meu quarto, deixei uma panela com água fervendo. Por onde passava, deixava as pegadas molhadas acusando minha presença. Em meu quarto, abri o armário, pegando roupas secas e uma toalha. Antes de me vestir, porém, comecei a revirar as coisas no fundo do móvel.

"Onde está?" Camisetas, calças e cuecas foram atiradas para trás na busca. "ACHEI!", gritei com um sorriso e uma caixa nas mãos.

Abri-a e peguei a minha querida semiautomática que se encontrava dentro daquela velha caixa de sapatos. Chequei, confirmando que a mesma possuía balas e conferi a mira. Era algo estranho segurar aquele objeto novamente; realmente dava uma sensação de poder. Quase me esquecera dela. Quase. Deixei-a na cama por um momento e troquei o terno de roupas molhadas; peguei a arma e desci.

"Hoje acabo com essa merda...", era a única coisa que eu pensava.

A água já borbulhava.

"Droga!" Qualquer pessoa que saiba fazer um bom café sabe que se a água ferver é porque passou do ponto.

Ignorando a qualidade imperfeita de minha bebida, terminei de prepará-la e encaminhei-me para a sala, levando uma garrafa completa junto a um copo comigo.

Por fora a casa parecia deserta; a exata impressão que desejava passar. A chuva, contudo, não minguava. Sentado no sofá, encarando a porta, não pensava em muita coisa a não ser em por um fim naquela besteira. A sala clareava com os trovões. Um copo de café, dois, três, quatro... A ansiedade tomava-me por completo. Esfregava o rosto; levantava-me e rodeava a sala com a arma nas mãos. Qualquer barulho fazia com que eu desviasse os olhos para a entrada, segurando a arma com mais força.

Voltei a me sentar, deixando a pistola ao lado. O barulho da chuva entoava no local, os trovões... O sono começava a pesar em meus olhos. Deus sabe como os últimos malditos dias foram desgastantes, e o som da chuva, a luz desligada e a maciez do sofá não me ajudavam a me manter a alerta.

Você já foi melhor, Eddie Boy.

"Merda!" Levantei-me, mexendo os braços e as pernas na tentativa de esvair o sono. Virei mais um par de doses de café e fui ao banheiro onde, urinando, percebi minhas mãos trêmulas; o perfeito resultado de muito café e pouco descanso.

De volta à sala, sentei-me mais calmo, descendo a arma do sofá para o chão – talvez fosse o mais seguro. A chuva diminuía e apenas uma parte de mim ainda acreditava em um encontro triunfal e um tão esperado ponto final naquela noite. Seria apenas fácil demais. Senti-me estúpido por negar ficar com Linda naquela noite para estar ali. Merda. A noite teria sido tantas vezes melhor... Mas uma voz dentro de mim continuava a insistir que o melhor a fazer era me focar para encontrar o maldito poeta de letras de sangue; nunca era bom desafiar esta voz.

Sentado, ouvindo a chuva amainar, percebi o cheiro de grama molhada que tanto adorava adentrar minha casa. A calma provinda com a essência também fez com que eu me questionasse sobre as questões dos últimos dias. Será que eu ainda conseguiria corresponder às expectativas que colocavam sobre mim? Existia ainda vestígios do "antigo Edgar" dentro de mim? Creio que a última questão ao menos possuía uma resposta. O passado que tanto evitava cruzou minha mente, me fazendo afogar em um misto de tristeza e ódio e compreender – novamente – o porquê de tanto evitá-lo. Quem poderia ser o desgraçado? Eu não conseguia pensar em ninguém! Ninguém! Maldito mundo, lugar onde os loucos predominam. É insano pensar que coisas como aquela aconteciam.

Voltei os olhos para porta. Nada...

Meus pensamentos desviaram-se para Linda. Como gostaria de estar em seus braços quentes naquele momento.... seu perfume... seus lábios... suas coxas.... seus lindos e fartos seios... sua...

***

Meus olhos abriram-se lentamente e, percebendo que caí no sono, lancei o braço ao chão, apanhando a pistola, e saltei apontando-a pela sala.

Com a respiração pesada e a visão ainda embaçada, demorei alguns segundos para perceber a ridícula cena que protagonizava. Sentei-me novamente, com as mãos apoiadas nas pernas, bocejando. Já era dia. Peguei a jarra de café, servindo-me de um último gole, apesar do café já estar gelado.

Levantei-me, deixando a arma sobre o sofá, e andei até a porta. Nenhum maldito bilhete; a noite fora realmente em vão. Senti-me um idiota, mas o fato de não haver nenhum papel voando pela sala acalmou-me por ter dormido. Não teria e não poderia ter me perdoado caso o tivesse perdido. Voltei para o centro da sala – os sofás –, peguei a jarra e a levei para a cozinha. Quanto tempo eu havia dormido? Provavelmente muito mais do que duas noites antes.

Voltei à sala, apanhando o celular. Já se passava de meio-dia. "Deus!" Subi para o quarto.

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