Capítulo V - Um Espectro Ronda Circodema / Parte 14: Edgar Visco

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Sem qualquer cerimônia, como se fosse qualquer dia de um passado distante (ou seria mesmo tão distante?), adentrei a Rota 62, sentando-me junto ao balcão. O velho Cole aindacomandava o local, o tempo não o havia afetado – nem a ele, nem a atmosfera do local; boêmia, aconchegante para os que buscavam aconchego, sinistra para os outros. O cheiro do lugar – não exatamente um cheiro, mas aquela sensação que toca nosso olfato, levando-nos às lembranças mais profundas, um sentimento inexplicável – me transportou para o passado. Cole... o mesmo Cole que me incentivava a beber e tentava me convencer a parar. Quantas histórias vivi ali? Quantas histórias inventei ali? Não me lem¬brava; mas não pude evitar sorrir. Será que Cole me reconhe...

"Edgar?!", o homem atrás do balcão disse em alto e bom som. "É você mesmo, rapaz? Ah! Venha aqui e me dê um abraço!", gesticulou, sorridente.

O som opaco dos tapas nas costas ressoou pelo bar. Os olhos se viraram para nós.

"Você parece bem, meu bom rapaz! Descobriu a fonte da juventude e a está escondendo de mim?".

"Cole, Cole...", eu também sorria. "Não mentirei a você, já me senti melhor". Olhei para os lados. "E, já que estamos falando a verdade, como sentia falta desse lugar. Não mudou nada!".

"Apenas jovens gostam de mudança, Eddie boy".

"Eddie boy...", pensei. Há quanto tempo não ouvia aquilo!

"Os jornais andam comentando sobre você", ele continuou. "Sentiu saudade da fama, não é mesmo?".

"Não é bem assim, Cole. Você bem sabe...".

"Deixemos de papo furado! Hoje é por conta da casa!". Já sacava a garrafa.

"Acho melhor...", tentei argumentar que não seria uma boa ideia.

"É na boca ou na roupa, Eddie boy!", disse, parando por um segundo. "Você escolhe."

Tive que sorrir, assentido.

"É uma boa pedida. Você sabe que eu mandaria!".

"Temo não duvidar, Cole". Levava o copo à boca, mas fui impedido.

"Calma, calma! Não vá com tanta sede ao pote. Hei de desfrutar esse momento contigo, Eddie boy." Encheu um copo para si. "Aos bons amigos, não é mesmo?".

"Aos bons amigos!". Levantamos os copos, virando a boa dose de vodka.

Arfei de prazer com o líquido quente descendo pela minha garganta. Eu tinha que admitir, aquele era o melhor momento que desfrutara no último par de dias. Tinha que admitir!

Cole começou a encher outro copo para mim; ameacei reclamar, mas voltei atrás na decisão com o olhar de meu velho conhecido. O desgraçado realmente jogaria a bebida em mim.

Voltei a beber, lentamente. Por um momento, ou um pouco mais, devo admitir, esqueci-me do motivo da ida àquele lugar. Apenas mais um fim de semana normal; uma nostalgia me encobria. Uma ótica diferente traz uma opinião diferente; podia evitar o passado e os fantasmas que este trazia consigo mas naquele momento... Naquele momento me sentia bem.

"Eddie...", senti um quente toque no ombro; quente a ponto de me aquecer. Conhecia aquela voz.

Suze...

Sentimentos simplesmente não desaparecem – caso isso soe como uma indireta pessoal, temo ser o portador de más notícias.

Suze... não sabia seu sobrenome. Deus! Não sabia nem ao menos se Suze era seu nome, de fato. Mas a conhecia, oh, sim, a conhecia. Uma perigosa mulher de um cabelo negro, liso como seda, sempre trajando decotes provocativos. Temi olhar para trás, sem saber ao certo o porquê. Temia que ela tivesse mudado ou que ela continuasse a mesma?

Bom... Bastou apenas um olhar para me excitar. As noites que passei com aquela mulher – que não foram poucas –, a lembrança de seu gemido, a curva de seus seios, seu quadril... Vê-la tirou-me as palavras; apenas segurei o copo enquanto a olhava.

"Eddie?", ela sorriu, sentando-se ao meu lado.

"Suze..."

"Há quanto tempo, meu querido", disse, passando o cabelo por cima da orelha. "Cole! Um gim, o de sempre, por favor e uma...", virou-se para mim. Sua expressão literalmente roubara meu ar. "Whisky, Eddie?" Assenti. Deus, assentiria para qualquer coisa! "E um whisky para meu amigo.

Cole sorriu.

Os anos, de fato, voltaram! Pensei em conferir o calendário, apenas para ter certeza. Mas o tempo é relativo; às vezes passado, presente e futuro se encontram no mesmo lugar. Quando isso acontece, resta-nos apenas assistir. Quem somos nós para tentar combater o tempo?

Liberte-seOnde as histórias ganham vida. Descobre agora