Capítulo I - Ligados por Sangue / Parte 16: Edgar Visco

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Passando-se muito tempo no mesmo relacionamento, creio que começamos a cair em clichês; ovos de chocolate na Páscoa, pelúcia, flores e bombons para o dia dos namorados, e algo que você saiba que a pessoa gosta e quer para o natal e o aniversário. Datas e datas... Como somos apegados em determinados dias do ano. Caso não ocorresse a mobilização de todos, datas especiais seriam dias normais como qualquer outro, e o mesmo vale observando-se pela outra ótica. Faziam dois anos... Outros tantos relacionamentos que tive não passavam de dois meses! Mas, como diria uma música dos Eagles: é melhor que você deixe alguém te amar antes que seja tarde demais. E, talvez por ter caído no clichê, lá estava eu, esperando que ela atendesse a porta, com um caro buquê de rosas vermelhas, barba – que eu havia aparado mesmo sem precisar –, cabelo penteado para trás, meu melhor sapato e melhor terno de roupas.

Podia imaginar-me silvando – como fazem em filmes de comédia e romance barato nas cenas em que lindas mulheres apontam com seus cabelos levados pelo vento, mesmo que o ambiente esteja fechado – no momento em que a porta se abriu, revelando-a enrolada em uma toalha rosa, cobrindo o tronco e deixando o decote dos seios e suas perfeitas coxas cobertas com respingos de água à mostra. Devo ter, de fato, silvado.

"Eddie, meu amor, entre!", ela disse, rasgando o silêncio e eu obedeci sem dizer uma palavra. Deus! Naquele momento eu iria até o inferno por ela sem dizer uma palavra. "Me desculpe!", ela puxou o buquê de rosas, do qual eu havia até esquecido a existência, de minha mão. "São lindas! Amei, meu querido! Mas espere aqui que eu já estou terminando, ok?"

Minha vontade, refletida no meio de minhas pernas, era de tê-la naquele maldito instante. Tomá-la na sala, jogando-a sobre o sofá, lançando aquela toalha para longe. Mas, antes que eu pudesse dizer ou fazer algo, ela voltou a ligeiros passos para o quarto, levando as flores. Pensei em segui-la, mas a noite seria longa e achei melhor não tentar começá-la da forma que a imaginava terminando.

"Ok...", minha voz ecoou solitária pela sala.

Sentei-me no sofá mais próximo, aguardando-a. Nos primeiros minutos, minha mente foi banhada com diversos pensamentos envolvendo minha querida Linda; alguns obscenos, outros bastante românticos e repletos de pudor. Contudo, a espera e o som do secador fizeram com que meu maldito sono reaparecesse – não tive tempo de descansar após o trabalho. Apoiei o queixo sobre a mão, notando minhas piscadas ficarem cada vez mais longas; imagens já formavam-se no fundo de minhas pálpebras. A realidade se distanciava e minha respiração tornava-se mais lenta. Aos poucos, fui sendo levado para o mundo em que apenas eu tinha acesso.

Minha mão escorregou do queixo para o rosto; eu havia adormecido.

***

Como na maioria dos sonhos, tudo que estava acontecendo parecia bastante real.

Luzes vermelhas provindas de lugares incertos batiam em meu corpo, criando inúmeras sombras de diversos tamanhos nos muitos prédios cinzas, pichados e aparentemente abandonados, que me cercavam; lembrava algo do centro de Circodema. Nas paredes, grafado em spray vermelho, podia-se ler as muitas frases. "LIGADOS POR SANGUE", "VOCÊ NÃO ESTARÁ MAIS SOZINHO", "NO FIM VOCÊ SE LEMBRARÁ". Várias palavras pichadas também em muitas latas de lixo, postes e trechos da rua e da calçada. Um maldito sino ressoava por todo o lugar como se fosse a volta de Jesus Cristo, ou algo tão importante quanto. Havia também sons de sirenes, ambulâncias e viaturas, mas eu não pude perceber nenhum veículo no local.

Senti algo não estranho em minha mão: uma pistola semiautomática.

Cobrindo as sirenes e o som do sino, pude escutar um tiro próximo de mim. Virei-me, notando uma sombra em fuga e coloquei-me para correr atrás dela, gritando para quem ou o que quer que fosse, mas fui ignorado. O desgraçado não parecia estar fugindo, mas se distanciava, o que me deu nos nervos.

Ele virou às cegas em um beco, fazendo-me acelerar o passo para não perdê-lo de vista. Senti algo sob meu sapato e notei que esmagara um maldito rato que estava no caminho.

No final do estreito lugar, ele estava parado. Não havia como fugir dali, apenas passando por mim, e eu estava armado, apontando a pistola para ele. O lugar era escuro, tomado por um denso negrume, mas havia as pichações, as malditas palavras, por todos os cantos e paredes. O desgraçado sorria.

"Quem é você?", perguntei.

"O cobrador." O sino acerava, ameaçando explodir a qualquer momento; se ele não o fizesse, meus tímpanos o fariam.

"Quem? Cobrador? Que tipo de brincadeira é essa?"

"Está na hora de pagar suas dívidas, Edgar."

Minhas dívidas... Deus...

Uma forte dor nasceu em meu peito, fazendo-me deixar a pistola cair, apalpando o local. Levando a mão próxima ao rosto, pude notar o mesmo tom vermelho do spray usado nas pichações; sangue... Sangue que brotava como uma rosa em meu peito.

"Mas... O... Co... Como? Por quê?"

"O passado não esquece nossos feitos, Edgar... Apenas é paciente...", a voz afastava-se. "Como o destino!". A última frase ecoou pelo beco e a entidade que postava-se em minha frente sumiu pelas sombras. Antes que eu pudesse me manifestar fui atingido por um tiro no centro da minha cabeça.

E o maldito sino cessou.

***

"Eddie!", uma voz chamava-me. "EDDIE!"

Acordei assustado, agarrando-me no sofá. Olhava para ela espantado – é necessário um tempo para distinguir a realidade de um sonho após acordar.

"Eddie?"

"Oi? O que houve?", sentia-me um pouco perdido, apertando os olhos na tentativa de despertar.

"Você está bem?", senti sua quente mão tocar minha testa.

"Sim... Acho que peguei no sono", olhei para os lados. "Foi só um pesadelo."

"Você tem certeza? Porque podemos ficar aqui e..."

"Não, não!", interrompi sua fala, levantando-me. "Melhor impossível! Como disse: só um pesadelo", olhei-a de cima a baixo. "Já está pronta?"

"Sim. Gostou?", seu sorriso era tentador. Como não gostaria? Trajava um vestido curto e colado na cor vermelha como a do batom, acentuando todas as curvas de seu corpo; seu perfeito cabelo escorria sobre a costa desnuda e o salto que calçava transbordava sensualidade. Tornei a desejá-la naquele instante; ficava a cada momento mais difícil resistir a ela. Senti-me um idiota por não tê-la percebido no momento em que abri os olhos.

"Meu Deus!", levei a mão a cabeça. "Ainda estamos em dois mil e doze, certo?"

"Idiota!", acertou-me leve no ombro, sorrindo. "Vamos!", puxou meu braço e fomos. Carregava um casaco preto e curto – os dias estavam frios – e uma bolsa de mesma cor junto ao braço.

Eu a segui. Segui-la-ia a qualquer lugar, principalmente naquela noite, naquele vestido que deve ter sido costurado no mesmo lugar onde a luxúria fora criada. O pesadelo passou pela minha cabeça por um instante, mas "E daí?", pensei, havia coisas muito mais importantes para lidar aquela noite.

Fora da casa ela vestiu o casaco e sorriu para mim, entregando-se e envolvendo-se em meu braço.

Liberte-seOnde as histórias ganham vida. Descobre agora